sábado, 23 de fevereiro de 2013

Lamentações



Acordei, quando na verdade tudo que eu menos queria nessa vida era ter acordado. E o café não desceu em meio à tantas lamentações...

Lamento por você não ter visto a sinceridade em meus olhos, o quanto eu me desprendi das minhas vontades para lhe ver sempre feliz ao meu lado. Você não percebeu que eu mentia, dizia que aceitava todas as suas condições, mas não que eu realmente aceitasse: eu só queria lhe agradar. Eu tenho essa mania de nunca pensar em mim, nunca ser direta com o que realmente quero, me doar em detrimento da felicidade alheia. 

Lamento cada segundo pelo que poderíamos ter sido e não fomos, pela oportunidade que você não me deu para que eu pudesse lhe conhecer e você conhecer a mim. O nosso amor nasceu morto. Lamento por ter me enganado com a imagem que você vendeu, pelas palavras que disse e que eu não pude compreender, pela minha tentativa falha de ser o que você mais precisava e não passar nem perto disso.

Lamento pelo meu orgulho, por pensar que sabia lidar com todos homens, por achar que tinha o controle da situação, quando na verdade quem dominava o jogo era você e me transformou no que você bem quis, no melhor (talvez) que eu poderia lhe oferecer ou na única coisa que lhe interessava em mim. Azar o nosso que nunca vamos saber de verdade quem somos e o que poderíamos ter sido um para o outro.

Lamento por ter subestimado a sua inteligência, por ter visto inocência onde só havia malícia, por ter visto sentimento onde havia apenas demonstrações de carinho. Você foi meu maior engano, o maior tombo dos últimos anos, que quebrou, estraçalhou o que restava da minha cara, dos meus sonhos, do meu coração. Eu disse que você era minha última tentativa e mais uma vez eu falhei.

Lamento por não ter mais o que dizer, por terem se esgotado todas as minhas forças tanto para lhe entender  quanto para lhe procurar. Lamento pela covardia que me incapacita de falar tudo que senti desde o começo, de contar sobre as lágrimas que derramei em cima da mesma cama em que você deitou e dormiu enquanto eu olhava seu rosto, achando que só por tê-lo ali seria capaz de me e lhe entender.

Lamento pelos dias que ficamos sem nos falar, pelo meu corpo que só aceita o seu toque, pelo meu coração que se fechou e não aceita que ninguém se aproxime, pelos momentos em que parecemos dois estranhos e na verdade acho que é isso que somos. Lamento por não ter sido capaz de tocar o seu coração da maneira que você desejava. 

Lamento pela minha total ausência de esperança, por ter gostado tanto do seu jeito, seu sorriso, da maneira com que você me tocava, me olhava. Lamento por ter gostado tanto do tom da voz, do cheiro, do beijo, do sexo. 

Lamento pelo "nós" que nunca existiu e principalmente pelo que eu sou. Pelos dias em que me imaginei sem a sua presença e fugi do pensamento, por arrogância, por pensar que estava fazendo tudo certo e que isso jamais iria acontecer. Lamento por ter provado do paraíso sem poder tê-lo e hoje estar destinada ao inferno.

No fim das contas, quando vejo o seu rosto na tela do computador, quando ouço meu celular chamar e vejo o seu nome na tela, quando sinto sua mão na minha e quando lhe tenho em meus braços, a única expressão que define o que sinto é: só lamento. E vou lamentar pelo resto dos meus dias.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Rigidez

O tic-tac do relógio ficava martelando na cabeça dele, como que numa condenação, por já serem altas horas e ainda estar acordado, sabendo das trezentas coisas que tinha para fazer na segunda-feira, sempre atribulada no escritório. Entre o controle remoto, as teclas do computador, o cigarro na carteira, o copo de uísque e o número do telefone dela já digitado no celular, ele tenta decidir o que faz com as mãos, geladas por uma madrugada de inverno que não poupa os insones, nem os que não tem com o que se cobrir. A relação deles estava abalada (ou seria acabada?) e ele sabia que a culpa não era dela, mas só dele, de suas próprias ausências sem motivos justos, das brigas por telefone, das discussões ao final dos últimos encontros. Ele queria ela, mas também queria as outras. Ela queria ele, só ele, exclusivamente dela. Estas incompatibilidades acabavam com a auto-estima da mulher que ele aos poucos conseguira conquistar, aquela desiludida que, quando estava com a auto-estima elevada por diversos motivos que não era o amor, se deparou com aquele cara, que de repente, poderia ser diferente, mas não foi. Ficar com apenas uma mulher era um tarefa das mais difíceis para aquele macho alfa, safado, galinha, pegador. Só que ele não sabia explicar o que ela tinha que mexia tanto com ele. Trocaria ele todas por apenas uma? Ela era ciumenta e possessiva, uma escorpiana nata. Jamais admitira uma traição e não hesitaria em sumir da vida dele se soubesse que ele andava se assanhando com outras por aí. Seria ela capaz de acreditar, caso ele dissesse que tinha mudado? Ele cheio de dúvidas, ela totalmente desconfiada. O tempo foi passando e no meio de tanta incompreensão, inflexibilidade, eles se perderam. Triste fim de quem não consegue se doar e mudar um pouquinho para viver um sentimento recíproco e verdadeiro.

Queda livre



Eu me perdi. Sou movida à trabalho, dinheiro, amigos e alegria. O trabalho dançou, o dinheiro acabou, não tenho como ir ver meus amigos e com isso a alegria se foi. Meus dias ficaram cinzas e sem graça, só sei querer a chuva, o frio, o isolamento. Já quis a morte, quis fugir, sumir sem deixar rastros. Provei do mais doce que o mundo tem e agora só restaram os sabores amargos. Não sei ainda o que me prende a uma certa sanidade. Não sei o que me impede de surtar de verdade, gritar, enlouquecer, matar ou morrer. Talvez seja o estado de imobilidade e desesperança em que me encontro. Alguns sentem a minha falta, alguns reclamam que se foram meus sorrisos, mas não há quem possa me ajudar e eu aprendi a não esperar nada de ninguém. O amor até pode existir, mas eu não tive a sorte de encontrá-lo. A felicidade de encontrar-se profissionalmente eu provei, mas foi por muito pouco tempo. Provei do luxo, dos melhores restaurantes, viagens simples (mas por mim custeadas). Senti o gosto da independência, de mandar no meu nariz, comprar o que deu vontade, frequentar as melhores festas, ser criteriosa nas minhas escolhas porque de repente minha auto-estima estava nas nuvens e eu me sentia um "bom partido". E de repente, o que eu mais temia aconteceu: caí. Estava no céu e me atiraram de lá em queda-livre, sem para-quedas. Estou espatifada no não, sentindo o gosto da sujeira, marginalizada, desmoralizada. Não encontro uma maneira de me levantar. Então para que sonhar? Para que querer mais? O mundo desmoronou e eu não encontrei a saída. Desmoronei junto. 

Relação Mercantil

Será que sou anormal por não sentir ciúme? Por nunca, em nenhum momento me apegar de verdade em um homem? Isso seria só um mecanismo de defesa? Quando ele me disse que não estava mais solteiro, doeu, mas não por sentir ciúme, nem por querê-lo só pra mim. Doeu apenas por pensar que eu ficaria sem os nossos encontros. Eu não preciso dessa coisa brega e chata de "relacionamento sério", do constrangimento de conhecer familiares, dos programas em família, de cerimônia, dessa formalidade. Na verdade, o que tínhamos não era uma relação: nossos encontros eram um negócio, uma transação mercantil de troca. Eu dava tudo de mim e ele se dava também e era intenso, nível máximo de prazer, de pura sintonia, de diálogos divertidos fluidos e provocantes. E como um profissional que perde um cliente importante, o perdi. E sofri. Mas esqueci.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Luto

Vou cortar o cabelo e voltar sua cor à escuridão que sempre foi. Essa semana as músicas melosas sumiram do meu computador. Fiz uma tatuagem, deixei o piercing mais vibrante e visível. Minhas roupas são todas pretas, meu all star sempre sujo. To abrindo mão do dourado, da ostentação, do jeito perua de ser, da elegância chique. O que é colorido será tingido de preto. Não quero ver o céu azul, só a noite negra. Chega de falar de amor, chega de tentar entender tudo, chega de tentar viver o absurdo, os contos de fadas, o irreal. Menos para o lado pisciana, mais para o lado capricorniana. Menos otimismo e muito pessimismo, mesmo que isso custe algumas amizades. Mais misticismo e menos ceticismo. Menos descrença e mais magia. Menos presenças fúteis e mais solidão. Fechei a porta para quem ultrapassou os limites da minha compreensão, joguei no lixo os abusadores, os sem caráter, os que não sabem o que querem. Estou preferindo ficar só, longe de tudo, do que na companhia de quem não se dá por inteiro. Se é para estar comigo, que seja verdadeiro. Se o mundo fechou as portas para mim, eu fecho a cara para ele. Sem riso solto, mais álcool, cigarro e comprimidos e menos vermelho, lascívia e sacanagem. Menos canções que falam de amor e mais rock em línguas que eu não entendo. Menos sedução e mais introspecção. Menos confiança e mais desconfiança. Não vou mais mostrar os dentes, chega de ser simpática com todo mundo, falar menos e ouvir mais, sou o luto por ter me perdido de quem eu era, por ter deixado meus sonhos e meus princípios jogados por aí. Sou o luto por ter me deixado enganar. Sou o luto pela inocência perdida, por terem me forçado a acreditar que o amor não existe. Sou o luto pela meu próprio assassinato. Sem destaque, sem holofotes, sem fama. Só mais uma alma que passa despercebida pelos dias, pelos lugares, que faz sempre a mesma coisa, sem querer ir além, sem sonhar com mais. E se amanhã não for nada disso, eu mudo de novo. Só que pra pior.

Ao teu dispor



Sim, talvez você tenha realmente me conquistado. Despertou o meu lado mais doce, macio, aquele meu lado que me coloca sempre ao seu dispor, sempre pronta para ouvir, para te dar o que precisa e oferecer o que você quiser. Não sei dizer se essa seria a minha melhor a face, só sei que por você eu faço o impossível, sou escrava, amante fiel, te cuido, te guardo, te escondo, abro mão de tudo, de mim, de qualquer princípio, de moral, ética, orgulho, código de conduta pra te ter, te proteger, te ver em meus braços. Pode parecer desinteresse mas eu não vou te chamar, ligar, enviar mensagem, nem sinal de fumaça. Não vou te oferecer meu colo, meu beijo, meu carinho, meu sexo. O que você tem que ter em mente de forma muito clara é que eu estou aqui. Esteja sempre consciente dessa condição em que me coloquei por livre e espontânea (e inconsciente) vontade. Talvez esse meu jeito não te atraia, me apague, porque comigo não terias que usar mais o poder de conquista, só que eu tenho certeza que eu posso ser muito mais útil quando você mais e menos precisar. Eu não sei explicar porque me sinto assim em relação a você, é como se eu tivesse uma necessidade da tua presença e estivesse disposta a tudo para não ter que suportar a tua total ausência. Não espere que eu me conforme se um dia tu partires para sempre. Não consigo me imaginar sem te esperar, deixei as coisas passarem de todos os limites e tomarem proporções enormes. Relacionamento é aposta e nessa eu já comecei perdendo.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Para quem eu espero - 1



Onde estará você agora? Quanto tempo ainda falta para você chegar? O que mais eu preciso aprender para  ficar pronta? Lhe espero desde sempre, desde que me conheço por gente, desde menina, adolescente, e a mulher que eu sou hoje lhe espera mais ainda. A cada dia que passa, a cada cara errado que passa, só consigo desacreditar mais e mais tanto no verdadeiro amor, nos compromissos e até na sua real existência. Pela milésima vez chorei por quem não merecia, pela centésima vez já me decepcionei, pela décima vez desisti de casar e ter filhos e agora estou começando a aceitar e visualizar um futuro solitário. Estou me vendo como a solteirona da família, a que vai ficar para titia, a madrinha dos filhos de todos os amigos, a profissional bem sucedida mas que vive sozinha dentro de um apartamento cheio de felinos. A cartomante me falou sobre você, me falou que você era "o cara", que estava chegando, que ia me tratar como uma rainha, só que eu não nasci com o o dom de esperar e, querido, estou realmente cansada. Quando você chegar (e se chegar), encontrarás uma mulher tão magoada que não serei capaz de acreditar nas coisas que você vai me falar. Não conseguirei acreditar que você é diferente, talvez nem consiga perceber que você é quem eu tanto espero. Vai me encontrar sem nenhuma esperança de dias melhores, uma chata e pessimista, desconfiada todo tempo, armada com respostas prontas e saídas pela tangente. Não sei se vai conseguir me conquistar e sinceramente isso é tudo que eu mais quero. Então eu peço: não demore, venha agora, venha trazer alegria para os meus dias, venha limpar a sujeira que deixaram, preciso que me banhes nas águas da esperança, preciso voltar a sonhar. Eu não quero deixar de acreditar. Preciso que recebas tudo que eu tenho guardado desde sempre para quando você chegasse, preciso lhe dar todo o amor e a pureza que ainda não roubaram de mim. O mundo lá fora é tão cruel, não posso mais suportar os golpes que ele tem me dado, não sozinha. E todo o amor que me der será mil vezes retribuído. E meu dever será lhe fazer feliz. E a alegria que sinto agora só de te imaginar é a mesma que vai sentir a cada despertar. Eu prometo.

Perdidos

O mal da humanidade são os seres humanos perdidos, que não tem objetivos, que nunca decidem o que querem e que, por isto, seguem sem rumo, como se apenas estivessem passando pela vida. Como barcos à deriva, não haveriam maiores problemas se, neste percurso sem destino, não envolvessem outras pessoas. Esses perdidos, entram na vida de quem sabe muito bem o que quer, fazem a bagunça, desestruturam e quase que tornam os decididos em perdidos como eles. Eu sou uma daquelas pessoas que têm metas na vida, que está sempre buscando os melhores caminhos para a própria realização, mas infelizmente, as vezes tenho o desprazer de encontrar um desses por aí. Tento mostrar que temos que ter metas, temos que ter pelo que lutar mas minhas palavras e tentativas não surtem muito efeito. Ou eu que canso de esperar o vivente tomar um rumo na vida. Talvez, quando eu comece a questionar demais as coisas, dada a sua influência, eu tente me afastar para voltar ao meu foco inicial. Mas o último perdido conseguiu fazer eu me perder. Invadiu meus dias da mais pura indecisão, trouxe e despejou em mim todo o seu descaminho. Foi como se minha bússola tivesse quebrado, o mapa se rasgado e as coordenadas tivessem desaparecido. Foi como se as velas do meu barco tivessem virado poeira, e agora, como velejar? Um trem desgovernado, vivendo um dia de cada vez, que não espera nada do amanhã, nem de ninguém, nem de si mesma; desacelerei, perdi o ritmo, a velocidade que era constante agora é variável. Da minha marcha com a cabeça erguida restou apenas um corpo em constante queda livre para dentro do maior abismo. Agora eu faço parte do mal da humanidade.

O canalha

O canalha não tem jeito mesmo. E nunca terá. Ele é o sociopata do amor. Inspira confiança e expira mentiras. E você, na falta de algo melhor, vai respirando esse ar sedutor. No alto dos seus 1,70m de mulher independente, forte e sedutora, você sempre acha que pode consertá-lo. Esqueça, você está apaixonada e o antídoto para o canalha é o desprezo. O canalha finge que não é um canalha. Posa de bom moço, carente, apaixonado e infeliz. E você acredita ser a salvação dessa alma perdida, depois de tantas desilusões amorosas. O canalha cria uma nova identidade, mas sem registro em cartório. Ele age por instinto, não sabe ser de outra forma. A sedução faz parte da sua sobrevivência emocional. Ele é uma fera e você o prato de comida.

Mas ele tem um jeitinho tão meigo, uma conversa tão bacana, não é mesmo? O canalha é inteligente, sagaz, enigmático e te faz rir. Pronto, o cara perfeito. O único porém é que ele nunca será completamente seu. Amar um canalha é entrega sem devolução. A submissão é ingrata: revolta, mas apaixona. O canalha é o disfarce da conquista, máscara do engano. E é justamente isso que te encanta nele. Ele sorri em versos, fala em melodia e te decifra com os olhos. O canalha parece ter o manual de instruções para seduzir. E faz isso sem nenhuma força. Você consegue ver sensualidade nele caminhando na rua, tomando whisky, acendendo um cigarro e até dirigindo.

O canalha nem bonito é, mas parece ter nascido para desafiar o seu bom gosto. Ele faz você escutar músicas que você nem sabia que existiam, faz você pesquisar textos e frases que traduzam o que você está sentindo. Faz você acordar de manhã e lembrar dele, pelo menos, na hora de passar o perfume.

O canalha não pede, manda. Você adora e depois se odeia. Tenta escapar e horas depois, cai numa armadilha. Mas não fique triste, o canalha é o “teste drive” para qualquer corrida amorosa. É pré-requisito para as provas de amor. Toda mulher precisa de um bom e cruel canalha no seu caminho para encontrar o próprio valor. Somente depois de alguns meses mendigando atenção e se alimentando de mentiras cobertas por uma camada de ilusão, que você vai encontrar a correspondência do seu amor. Não nele, claro. Mas antes do coração achar o endereço certo para se apaixonar, é preciso primeiro ter garantias. É a conquista do chamado amor próprio.

Amar um canalha faz parte da vida, é a construção de si mesma, leitura obrigatória para o vestibular sentimental que vem pela frente. Estar com um canalha é mais do que necessário. É gostoso.

http://www.verdadefeminina.com.br/o-canalha/

Quem vive aqui dentro



Eu sei exatamente onde ele está agora, mas eu não quero lembrar. Talvez ele esteja dormindo ou nos braços de quem o roubou de mim e eu novamente luto para não pensar. A canção que toca me faz lembrar da doçura do começo, do sorriso inocente que nada esperava, da expectativa diante dos momentos e nunca sobre um possível amanhã. Enquanto os meus livros preferidos me falam de amores perfeitos e tão sólidos, a realidade é muito cruel para que eu possa encara-la assim, sem qualquer proteção e com o peito nu. Sair por aí esbanjando sonhos e inocência é pedir para sofrer, como um dia eu sofri. E daí que hoje eu não sou natural como eu era antes, e daí que nunca ouso falar o que realmente quero, me escondo atrás da imagem de frieza que eu mesma criei. Qualquer sorriso falso, qualquer demonstração de desinteresse, qualquer ação de suposta liberdade, qualquer beijo sem sentir, sexo sem sentimento, só mascaram a menina magoada que trago aqui dentro. Como uma gato que caiu na água ou um pássaro que teve suas asas cortadas, um dia saí do meu casulo e resolvi encontrar o mundo. E esse mesmo mundo que eu tinha a ânsia de conhecer, mostrou sua face mais cruel e o quanto os meus livros falam de uma realidade que não existe, de uma utopia que nunca poderá se tornar realidade porque as pessoas são incapazes disso. O que eu vi aqui fora foram os seres mais egoístas, mesquinhos, traiçoeiros, mentirosos que eu tive a infelicidade de conhecer. Com o tempo fui desenvolvendo maneiras de não cair nessas conversas, criando defesas contra quem quis me enganar, artimanhas para ver de longe as reais intenções de quem de mim tentou se aproximar. Depois quem aprendeu a trapacear foi eu, pois eu vi que isso era bom, tirar vantagem as vezes era gratificante e desenvolvi a cruel capacidade de vingar em terceiros o que fizeram para mim. Causei o mal e a dor para quem nunca me fez nada, nessa minha ânsia de vingar, de colocar a revolta inútil para fora. Deixei de me importar com os sentimentos alheios e a dor que senti, que um dia me fizeram sentir, foi a mesma que eu causei por aí, com requintes de crueldade. Mas se eu paro por cinco minutos, eu sei que essa não sou eu de verdade. Misturei-me tanto com essa nova pessoa que agora não sei quem sou. E não sei ser diferente.  

Espelho



Meu coração é igual a um circo: sempre cabe mais um palhaço, mais um mágico (aquele que vem e depois desaparece), mais um malabarista, um equilibrista, um artista circense qualquer...
Ou talvez meu coração seja como o coração de mãe: sempre cabe mais um que quer amor, carinho, atenção e cuidado...
Sou um poço profundo cheio de sentimentos ou um chafariz a jorrar tudo o que sinto, distribuindo colo, um ombro amigo para ouvir, uma boca para ser beijada, um corpo para todos os deleites...
Posso ser amiga ou amante... posso ser brisa calma ou ventania... sol aberto ou tempestade... Hoje sou tristeza, amanhã posso ser alegria. Uma constante metamorfose.
Os sonhos de hoje não são os mesmos de outrora. A menina inocente e sonhadora deu lugar à mulher fria que depois virou um pássaro que só quer voar.
Nada de gaiolas, nem algemas, nem prisões. Meu lema é o amor livre... É poder amar à todos sem amar nenhum, é me entregar para quem souber desvendar meus segredos, sem pudores, sem ética, sem moral...
Meu corpo é minha propriedade exclusiva e à quem eu o ofereço não diz respeito a ninguém...
Saiba me tratar, saiba dizer o que quer com sinceridade e de mim tudo terás.
A porta está sempre aberta para os que já entraram e ficaram, para os que tiveram
uma estadia curta e para os que ainda virão.
As regras foram feitas para serem quebradas, os carentes para serem saciados
e os pecados para serem deliciosamente cometidos.
Meu destino é satisfazer os desejos daqueles que vierem até mim.
Meu nome é LIBERDADE. Meu nome é COMPREENSÃO.

O que não se pode explicar



Quero deixar claro que não foi eu quem correu atrás, não foi eu quem marcou o encontro, nem pedi a companhia dele. Ele mesmo se deu esse trabalho, não sei se movido pelo real desejo ou pela culpa em ter deixado algumas dívidas comigo para trás, enfim, ainda não sei qual a real motivação dessa súbita vontade de me ver. Ligou diversas vezes, como se estivesse ansioso com o meu atraso ou querendo apressar tudo para se livrar de vez de uma obrigação que só existia na cabeça dele. 

E então eu me vi ali... andando ao lado do homem que me conquistou e me perdeu (romanticamente), tentando achar as palavras para preencher os silêncios, rosando a face sem saber o que falar, nervosa como nunca havia me sentido antes. 

E então eu me vi ali... sentada em uma mesa tomando um chopp, discutindo coisas banais, falando sobre relacionamentos, traição, química, futuro. Perdi meu olhar diversas vezes observando cada detalhe daquele corpo que foi o centro das minhas atenções nos últimos tempos, embora ele nem tenha ideia disso. Aquele cara que foi a razão de tantos sorrisos, tanta alegria e depois foi o motivo de algumas lágrimas bobas que caíram quando eu pensei que não mais o veria. O meu medo era perder aquela companhia que me fazia tão bem.

Diriam os orgulhosos que eu não deveria estar ali, que eu precisava ter cortado relações há muito tempo atrás porque ele não me merece. Diriam os fracos que eu estava ali por carência. Meu psiquiatra diria que eu estava ali por impulso, os frios diriam que eu estava ali por sexo. E, afinal, por que eu estava ali? Por que abri mão de tudo para ter aquele encontro? 

Eu não sei. Talvez fosse um pouco do que cada um pensou, talvez apenas curiosidade. Curiosidade em ver como eu ia me sentir, depois de tanto tempo esperando aquele (re)encontro, depois de tanto ensaiar o que dizer, mas que na hora eu não disse nada do que programei. Não contei toda a verdade como eu queria, não xinguei, como talvez alguém xingaria. Apenas fiquei olhando para ele, admirada, com o fato de eu não sentir absolutamente nada do que previ.

Não senti dor ao ouvir as novas confissões amorosas. Não me arrependi nenhum segundo por tê-lo conhecido e permitido que entrasse na minha vida. Nada de remorso, mágoa ou rancor. O que senti foi o que sentia antes: carinho, leveza, presteza para ouvir, desejo. Ele sempre me achou tão compreensiva e agora começo a concordar.

Foi um pouco estranho. Nossas vidas não são mais as mesmas de dois meses atrás. Ele está mais ousado, adorando desafiar a sorte, curtindo a adrenalina da iminência de ser descoberto. Eu muito mais centrada, bem menos empolgada e com os dois pés cravados no chão: acabaram as expectativas.

Depois a química do corpo falou mais alto. Não hesitei em levá-lo para minha cama e matar a saudade, coisa que a gente sabe muito bem como fazer. O encaixe é perfeito, ele sabe como fazer eu me entregar, me deixa totalmente ao dispor de seus desejos. E eu não meço esforços para satisfazê-lo. Depois olhei admirada aquele rosto, enquanto o via adormecer, tentando entender como nos afeiçoamos às pessoas. Eu e essa minha mania de tentar entender e explicar tudo.

Mas certas coisas não precisam de explicações, muito menos julgamentos alheios. Dispenso qualquer conselho, dispenso qualquer observação de quem está de fora: a última palavra é sempre minha. Nem tudo precisa de razões plausíveis, nem tudo precisa ser justificado. Eu já fui bem avisada de onde essa história vai me levar, mas eu resolvi arriscar. Coloquei a mão no fogo, sem medo de me queimar.










terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Mais um palhaço no seu carnaval - Parte 2




Eu quero entrar o mais fundo que eu puder dentro do mar e de lá gritarei todas as minhas dores, desamores, rancores, temores e mato, assim, esta maldita solidão. Enquanto as derrotas se acumulam feito entulhos no chão da minha sala, nado entre as ondas sem saber de onde veio, para onde voltou e por que meus olhos não saem do céu. Me deixe aqui, esfriando cada vez mais minha pele, torcendo para cansar de nadar enquanto ninguém vê. O sal da água se mistura com as lágrimas e faz muito tempo que não tenho o que dizer. Esgotaram-se as palavras, as reflexões, só estou repetindo o de sempre. Não me deixe falando sozinha, temos que terminar aquela conversa marcada há 40 dias, como no intervalo entre o carnaval e a páscoa. O tempo passou depressa, mas aqui dentro pareceu muito devagar. Dizia saber, mas não sabe aonde quer chegar. O som do bar repete a mesma música, as doses foram se acumulando no meu sangue porque eu joguei minhas fichas à muito tempo atrás. Perdi a aposta, fui trocada por outra e por outra. Começo a duvidar da minha capacidade feminina, sempre perco para alguém bem pior que eu. Essa minha pose de boa moça, de menina compreensiva, tem me rendido frutos amargos para mim e doces para eles, as flores que recebi estavam mortas. Aquele solo de guitarra ao fundo, o ponteiro da velocidade marcando 180 Km/h, os olhos negros e enigmáticos, a mão na mão, eu não vou esquecer. Seria mais fácil arrancar em sã consciência cada um dos meus órgãos. Foi rápido demais, mas tomou uma proporção enorme. Eu ainda estou aqui, não soube sair por aquela porta e dizer que não mais voltaria, não tive forças para mandar ele sumir, muito menos para falar toda verdade, eu só sei fazer cerimônia, agir como se nada tivesse acontecido, fingir e a quem eu quero enganar? O cigarro acabou, o rei tá sem coroa, o troféu foi atoa, o carnaval acabou. O jantar estragou, a sobremesa mofou, a vela apagou, a flor murchou, tudo ficou te esperando enquanto tu curtia e sorria com outra companhia. E eu aqui. Mais um palhaço no seu carnaval.

Dias difíceis



E então os dias passam, a dor até parece cessar. Lenta e aparentemente, as coisas parecem voltar ao lugar. Eu aceito bem os fatos, contra eles não há argumentos, mas aceitar, não quer dizer que seja sem sofrimento.  Não era pra ser assim, mas me atropelaram e roubaram a minha vez. Hoje me contento em ser uma mera coadjuvante da história que era pra ser minha. A banda passa lá fora, a alegria estampada em todos os rostos e eu desmoronei hoje. A fragilidade saiu pelos poros, minha armadura se desmontou mais uma vez. O tratamento não tem resolvido: a ferida ainda está aberta. Hoje ela sangrou latejante e não sei mais qual remédio usar. Senti saudade, uma vontade dolorosa de reviver os momentos que foram tão bons. De repente aquele beijo era só o que eu queria, um abraço apertado, um colo. Sim, só queria justamente o carinho de quem me causou tanta dor, num ímpeto masoquista, no desespero causado pela recusa, no lamento do que poderia ter sido e não foi. Não fala o nome de quem me venceu, essas letras me cortam como lanças afiadas, desperta a minha raiva e faz meu ódio ficar fora de controle. O que eu sinto é tão instável quanto nitroglicerina. Vai da dor ao rancor em minutos. Eu sou a segunda opção, aquela carta na manga que de vez em quando é tocada, alertada, para se manter sempre esperando. Um ser que recebe o mínimo de atenção para manter-se interessada. E eu não tenho forças para cortar esse mal pela raiz, nunca mandei ninguém embora e não sei nem como se faz isso. Queria que não fosse como é, queria sair desse emaranhado de sentimentos em que eu mesma me meti, por acreditar naquela imagem imagem falsa que me venderam, por ter gostado da diferença, pelo fascínio que me causou o carinho, pelo encontro comigo mesma a que cheguei. Foi provando da perfeição que percebi o quanto vinha me contentando com pouco. Ficou marcado. Eu fico falando sozinha e percebo o quanto eu preciso acabar com isso. Eu preciso fechar a porta.  Me disseram que eu teria dias muito difíceis. Só não imaginei que eles fossem durar tanto.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Prisão



"Eu vou te contar, mas to com vergonha". E ela contou tudo que vinha pensando e fazendo nos últimos tempos. Confessou ter abandonado o tratamento, mas por razões aceitáveis até, embora ele soubesse que a falta de persistência fizesse parte dos sintomas do mal que lhe afetava. Não tinha cura, mas poderia ser controlado e ela sabia que precisava controlar aquele diagnóstico, para seu próprio bem. Ele pensou em afastá-la do convívio com a sociedade porque ela apresentava riscos para consigo mesma e para os outros, naqueles acessos de raiva e auto-destruição, mas hesitou ao pensar que aquela era a última medida a ser tomada. Apostou que ela não abandonaria o tratamento e se fizesse isso, já seria a terceira vez. Ela não estava sabendo lidar com as frustrações, não conseguia tomar nenhuma decisão sem sofrer, sentia-se perdida e quando se via encurralada ficava apática e sem reação, só conseguia pensar em desistir de tudo, às vezes por coisas bem bobas. Chegou num ponto em que nada a deixava feliz: nem as drogas, nem carinho, nem atenção, nem isolamento, nem o que em geral a deixava feliz. Seus pratos preferidos eram como quaisquer outros, fugia da atenção dos familiares, não queria estar entre amigos, desligava os celulares, saiu das redes sociais. Queria ficar o mais invisível possível. Não acreditava em remédios, não tinha esperanças muito menos forças para sair daquele buraco. Se ela ficasse dias sem falar com ninguém, não se importaria. O mundo dela passou a se resumir em dormir (as vezes pouco, as vezes muito), crises de choro e para fugir disso tomava remédios para dormir, comer (as vezes pouco, as vezes muito), completo isolamento, descuido com a própria aparência, quase um vegetal que só sentia-se um pouco melhor se estava na frente do computador ouvindo suas músicas, escrevendo e lendo. E isso é vida? Como pode alguém sair desse lamaçal? Quanto tempo isso dura? Até quando? E de dentro daquela prisão, ela viu um passarinho pousar em sua janela e cantarolar para ela.

Um lugar no mar



A praia estava linda hoje, bem do jeito que eu gosto. O céu não podia dizer que estava cinza, se sua cara fechada tinha cor de azul quase marinho, foi um dia que nem pareceu dia de tão escuro que fez. Do sol, símbolo de alegria, não vi nenhum sinal. A areia estava tão fininha que parecia fazer carinho nos meus pés. Tinha muita gente, mas eu optei por não ver nada além de dentro de mim mesma. A água fria, não estava tão convidativa, embora as ondas quebrassem fracas e sem vontade. E toda vez que eu paro ali, esperando as ondas me encontrarem, o meu fascínio é sempre imensurável. Algo no horizonte e na imensidão das águas me chama, como se de alguma forma eu pudesse entrar mar a dentro e lá no fundo estivesse uma outra vida me esperando, com peixes falantes, um lugar civilizado, organizado, encantado, longe de tudo que me faz mal. E quanto mais eu olho para aquela linha que divide o céu do mar, mais vontade eu sinto de entrar cada vez mais fundo, cada vez mais longe, onde as ondas já não me alcancem e os pés não sintam a areia. Tantos dias já se passaram, o sol nasceu e se pôs sem parar, o mundo não fez uma pausa para esperar eu me recuperar. Sigo querendo fugir, me esconder da vida la fora, das obrigações, do dever de ser forte, dos relacionamentos voláteis, dos sentimentos rasos, das vontades levianas, das cobranças sem moral, da necessidade de pertencer ao mercado de trabalho, de ter o poder de consumo, de adquirir bens materiais móveis e imóveis, de acumular conhecimento, de construir um futuro sólido e melhor que hoje. Queria não precisar de nada disso, queria não ser cobrada por isso. Talvez seja esta a razão do mar tanto me tentar: quem sabe lá dentro tenha um cantinho aconchegante, onde eu possa viver em paz.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O sono sem fim

Ela é só mais uma que sucumbiu à dor. Só mais um ser humano que se perdeu pelo caminho e não encontrou forças para continuar. Ela estava caindo, mas as pessoas não costumam prestar atenção de verdade nos outros. 

Atrás daquele sorriso, dos planos simples, do amanhã mal programado, do sono sem fim, dos dias e noites apáticos na frente do computador, da falta de vontade de sair, da ausência de auto-estima e por consequência o descuido com a aparência, dos celulares desligados, a impaciência e o proposital isolamento, estava uma vida que ia morrendo aos poucos, lentamente, como uma vela que vai queimando e se apagando. 

Ninguém viu, mas ela estava se escondendo da dor, da sensação de estar perdida, disfarçando, muito bem, todo o seu descontentamento. Das outras vezes que tentou, ela esperou estar sozinha ou todos dormirem, mas não teve sucesso. 

Dessa vez não escreveu cartas, não pensou em se despedir de ninguém, simplesmente agiu, num ímpeto de dor, de desistência, dominada pelo sentimento de fracasso. Naquele instante nada mais importou, o tic-tac no relógio não se ouvia, não teve um último cigarro, nem uma refeição preferida. 

Abriu o vidrinho de veneno e foi misturando, aos poucos, com a cerveja que comprara, para disfarçar o gosto e ainda morrer bebendo o que ela tanto gostava. Aproveitou aqueles segundos como nunca tivera aproveitado nada antes em sua breve vida. Deitou na cama, silenciosa, tranquila e dormiu o sono que ela mais queria: o sono sem fim.


Um pouco de coragem



Ninguém tem culpa pelo estado em que me encontro. Ninguém tem culpa por eu ter me tornado o que me tornei. Foi a vida que, a duros golpes, me deixou assim; foram os tombos que foram me moldando desde pequena. Quando eu era menina eu já sabia o que era descontentamento e infelicidade. Eu sempre soube o que era não querer viver. Eu já tentei, eu quis sumir, eu fugi. Agora me sinto como um animal engaiolado, sem saber para onde ir. "E à meia-noite — mon Dieu — à meia- noite, o mundo inteiro me parece um assassino impiedoso". E como eu queria que fosse. Que o mundo me chegasse e dissesse "game over", "the end". Alguma coisa me impediu de ir àquela noite, no lugar da tragédia mas hoje eu tenho plena convicção de que era exatamente lá que eu deveria estar. Eu trocaria de lugar com quem estava lá e queria viver, tinha fome de vida, sonhos, tinha base e estrutura. Eu não me suporto mais, não caibo em mim, não me aguento, não tenho mais forças nem vontade. Esta vida nada tem de atrativa, nada mais me alegra, nada me comove, nada me toca. Falta coragem para tudo! Até para encarar o dia de frente, encarar os outros e dizer abertamente que eu não quero mais viver.

Deriva

Eu me perdi. Se a vida é uma sucessão de lutas, se a cada dia subimos um degrau, em algum momento eu perdi o equilíbrio e caí, grudei a cara com tudo no chão, me fiz em mil pedaços, que voaram com o vento. 

Caminho pelas ruas sem destino certo. Eu não sei para onde ir, mas sei que não quero ficar. O mundo não me satisfaz. Essa vida corrida, essa marcha louca em que somos obrigados a viver, sempre correndo, sempre buscando dias melhores, me cansou. 

Eu desanimei, embora a tenra idade. Desanimei porque não vejo sentido nesta velocidade frenética com que as coisas são obrigadas a acontecer. O vazio ecoa aqui dentro, o egoísmo alheio me dá náuseas, este individualismo me entristece. 

É como se eu não pertencesse a essa era, a essa sociedade, a esse século: eu não sou daqui e não dizer de onde sou. Perdi meus objetivos neste tombo lá do alto, eu não tenho mais pelo que lutar. Queria uma casinha no meio do nada para me esconder. Sei que ninguém entenderia a razão do meu isolamento, o mundo não compreende quem não consegue andar no mesmo ritmo que os outros. 

Fui obrigada a parar e agora não sei como continuar, não sei retomar o ritmo de novo. Eu não tenho fé, eu não tenho motivos, eu não tenho metas, eu não tenho forças, meu olhar está perdido e sigo olhando para o nada. Meus sorrisos são superficiais, a tristeza não me atinge, estou apática. 

Um zumbi sem fome. Uma cega em meio ao tiroteio. Uma suicida sem coragem. Um barco à deriva. Uma alma penada. Chorar não alivia, beber não me faz esquecer, conselhos não me motivam. Não encontro mais um lugar em que eu tenha paz. Queria agora que meus olhos se fechassem, para nunca mais se abrirem. 

Mais do mesmo

Eu estou sofrendo de urgências. Eu quero tudo e quero agora, sem desculpas, sem deixar para depois, é pegar ou largar, o trem está saindo e só há um chance de embarcar. Sair sem destino, sem deixar rastros, sumir no meio da escuridão. Vou buscar o que fazer durante a noite, vendendo meus bens, meus beijos, meu cheiro e não vou cobrar caro por isso. Cada um vai levar um pedacinho do que restou, vou me distribuir, antes que eu rasgue meus pulsos e me vá por completo. Quando ele partiu, a nuvem negra tomou verdadeiramente conta do meu céu. Me perdi na penumbra dos dias, tropecei nos meus cacos, nos meus restos, nas minhas dores e nos meus maiores medos, vivi atormentada se é que posso dizer que vivi. E quando eu olho para aquele rosto, não consigo compreender como foi que ele me enganou. Estava ali, estampado o tempo todo, sendo ridiculamente esfregadas na minha cara todas aquelas más intenções. Tem gente que mascara o que quer, vende uma historinha barata, um conto de fadas meia boca, distribui carinhos para conseguir apenas sexo. Faz todo um teatro para conseguir apenas sexo. Me pegou desprevenida e desarmada, a porta estava aberta e eu pateticamente caí naquela conversinha para fazer a Cinderela abrir as pernas dormir. Eu gostava de verdade daquela figura, ou melhor, gostava de quem eu pensei que ele era, gostava da imagem que ele me vendeu. Nada disso era necessário, eu não faço tipo, só faço o que eu quero. Era só chegar e não precisava nem dizer o que queria, eu saberia só na maneira de me pegar, de me segurar pela nunca e na intensidade dos beijos. As mulheres são muito mais simples do que os homens pensam. Os dias passaram vagarosamente, como uma engrenagem mergulhada na lama espessa, mas o que importa é que passaram. Quando as lágrimas secaram, a porta estava mais que trancada e todas as armas estavam engatilhadas. Expulsei de dentro de mim todo e qualquer vestígio daquele quase amor, fiz questão de esquecer tudo que brevemente senti e o quanto era bom aquele abraço. O que restou, talvez, foi um pouco de amizade, um querer bem, um querer estar perto e eu nunca vou dizer o porquê. Agora aquele rosto não faz meu coração acelerar, não me atinge, não me toca, não mexe comigo: é indiferente. Ele poderia ter sido o único, mas escolheu ser apenas mais um. 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Não era amor


"Se era amor? Não era. Era outra coisa. Restou uma dor profunda, mas poética. Estou cega, ou quase isso: tenho uma visão embaraçada do que aconteceu. É algo que estimula minha autocomiseração. Uma inexistência que machucava, mas ninguém morreu. É um velório sem defunto. Eu era daquele homem, ele era meu, e não era amor, então era o que? 
Dizem que as pessoas se apaixonam pela sensação de estar amando, e não pelo amado. É uma possibilidade. Eu estava feliz, eu estava no compasso dos dias e dos fatos. Eu estava plena e estava convicta. Estava tranqüila e estava sem planos. Estava bem sintonizada. E de uma dia para o outro estava sozinha, estava antiga, escrava, pequena. Parece o final de um amor, mas não era amor. Era algo recém-nascido em mim, ainda não batizado. E quando acabou, foi como se todas as janelas tivessem se fechado às três da tarde num dia de sol. Foi como se a praia ficasse vazia. Foi como um programa de televisão que sai do ar e ninguém desliga o aparelho, fica ali o barulho a madrugada inteira, o chiado, a falta de imagem, uma luz incômoda no escuro. Foi como estar isolada num país asiático, onde ninguém fala sua língua, onde ninguém o enxerga. Nunca me senti tão desamparada no meu desconhecimento. Quem pode explicar o que me acontece dentro? Eu tenho que responde às minhas próprias perguntas. Eu tenho que ser serena para me aplacar minha própria demência. E tenho que ser discreta para me receber em confiança. E tenho ser lógica para entender minha própria confusão. Ser ao mesmo tempo o veneno e o antídoto. 
Se não era amor, Lopes, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não sabe se vai ser antes ou depois de se chocar com o solo. Eu bati a 200Km/h e estou voltando a pé pra casa, avariada.
Eu sei, não precisa me dizer outra vez. Era uma diversão, uma paixonite, um jogo entre adultos. Talvez seja este o ponto. Talvez eu não seja adulta suficiente para brincar tão longe do meu pátio, do meu quarto, das minhas bonecas. Onde é que eu estava com a cabeça, Lopes, de acreditar em contos de fadas, de achar que a gente manda no que sente e que bastaria apertar o botão e as luzes apagariam e eu retornaria minha vida satisfatória, sem seqüelas, sem registro de ocorrência? 
Eu nunca amei aquele cara, Lopes. Eu tenho certeza que não. Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada. Não era amor, era uma sorte. Não era amor, era uma travessura. Não era amor, era sacanagem. Não era amor, eram dois travessos. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo. Não era amor, era melhor."

M.M.

Como saber se é verdadeiro?


Como saber se um sentimento é verdadeiro?, ouvi uma romântica perguntar para outra, em uma dessas conversas de corredor. Como estava atrasada e minhas boas maneiras estavam firmes e fortes nesse dia, passei adiante e não esperei a resposta. Mas, fiquei formulando bons argumentos e explicações quase empíricas, para o caso de alguém me fazer o mesmo questionamento em uma outra oportunidade. Então, um dia desses, aconteceu. Me perguntaram como seria possível dizer que um sentimento entre duas pessoas é verdadeiro. E eu estava preparada para duas respostas – cujos critérios de escolha seriam meu tempo disponível, minha paciência e a maturidade de quem me dirigisse a pergunta. A primeira resposta era simplista demais, mas deveria servir para um caso de pressa. Eu diria que não há como saber. Direta e rapidamente, eu diria que para cada sentimento entre duas pessoas, há um risco embutido que é necessário assumir. Você apenas mergulha e se permite sentir, apostando as fichas na possibilidade de que a outra pessoa envolvida sinta o mesmo por você – e que sinta de verdade. Acredito que essa seja uma boa resposta e, talvez, a mais praticada ao redor do mundo. Muitos não sabem ao certo se seus sentimentos por alguém são profundos, verdadeiros, imutáveis; e, muito menos, se são verdadeiramente correspondidos. Mas, mesmo assim, todos correm o risco.

Na ocasião, porém, fiquei com a segunda opção de resposta que eu havia bolado para a mesma pergunta. Eu estava inspirada e minha interlocutora tinha algum tempo livre. Então, despejei sobre ela todo o açúcar e a credulidade necessários para que levasse a sério o que eu dizia. O mesmo que digo agora, com a mesma certeza digna de um testemunho em tribunal: Quando os sentimentos são verdadeiros, a gente simplesmente sabe que são. De um modo ou de outro – ou de vários modos, na realidade – nós apenas sabemos. Quando alguém segura nossa mão, alguma coisa nos aponta se há ou não sinceridade naquele gesto. Quando alguém acorda ao nosso lado e nos faz acreditar que nossos olhos ainda inchados e pesados são maravilhosos de se ver, a gente simplesmente sabe se é sincero.

Não é naquelas sextas-feiras, em que escovamos os cabelos, usamos vestidos justíssimas e nos perfumamos com Nina Ricci para o encontro a dois, que sabemos que o sentimento é verdadeiro. Nós só descobrimos no sábado, quando o telefone finalmente toca. E quando volta a tocar no domingo, na segunda, na terça… Ou depois, quando atendemos a porta despreparadas, de camiseta surrada e short desbotado, com os cabelos desgrenhados e metade das unhas ainda por fazer, e recebemos o mesmo sorriso de admiração. É quando choramos pela primeira vez no colo do outro, quando queimamos o primeiro bolo de chocolate, quando pegamos um resfriado no fim de semana, quando tropeçamos, soluçamos ou nos engasgamos. É nas menores coisas e nos mais insignificantes acidentes do dia a dia que a gente descobre se um sentimento é verdadeiro. Naquela flor roubada do canteiro do prédio sem que o síndico perceba, naquele convite ilustre para jantar com a família, naquela música ensaiada ao violão para impressionar, naquele eu-te-amo sussurrado, de quem não precisa falar alto para falar sério, a gente sabe. A gente sempre sabe. Antes disso, é claro, a gente assume o risco e se joga do penhasco sem testar o paraquedas. E quando ele, enfim, se abre, a gente respira com alívio e percebe que aquilo é real. Então, com tranquilidade, a gente voa.

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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Fevereiro



O mês do meu aniversário, mês da alegria do carnaval, mês do calor, de mar, piscina, viagens, férias... O mês de descansar para o ano que começa sempre em março, o mês de aproveitar. Mas eu não quero nada disso, pouco importa se tá calor lá fora, se o mar vai ficar me esperando, se o carnaval não tem brilho para mim esse ano, se vou ficar mais velha. Eu só quero a minha vida de volta, quero as coisas no lugar de novo, quero o controle em minhas mãos novamente... Fevereiro, não me decepcione que já está bom. E se possível, leva contigo todas as dores desse janeiro.

27 de janeiro de 2013



As gurias se juntaram cedo para arrumarem o cabelo e maquiarem umas às outras, enquanto iam se animando com a música alta no rádio. As melhores roupas e os melhores saltos, todas impecáveis. Os guris fizeram um aquece, tomaram uma cervejinha antes de ir para a balada, colocando a conversa em dia sobre o futebol e as provas das semanas seguintes na faculdade. O tempo passou rápido até a hora de entrar na festa. As luzes sempre coloridas e alegres, a música alta, as bebidas preferidas, era o momento de festejar a vida, o futuro e o quanto ser jovem é maravilhoso. Os sorrisos rolavam soltos, namorados de mãos dadas, novos amigos e novos amores surgindo em meio aos embalos de um simples e comum sábado à noite. O que nenhum deles sabia e jamais poderia prever, eram a sucessão de erros de diversas partes que levaram aquela noite a se tornar a última de tantas vidas. O fogo consumiu rápido cada centímetro daquele teto, os extintores não funcionaram, o pânico tomou conta. Era apenas uma saída, para tantos seres. O tempo foi curto demais para muitos. Em minutos a vida deixou de vibrar para centenas de jovens. As luzes se apagaram, os risos cessaram e muitos corações deixaram de bater. A fumaça preta escureceu o céu de Santa Maria e nem mesmo a luz do dia foi capaz de trazer alguma luz. A alegria de viver deu espaço às lágrimas de pais, mães, irmãos, avós, tios, primos, amigos... A cidade do coração do Rio Grande chorou. Nada poderá trazer de volta aqueles que se foram. O luto, aos poucos, foi dando lugar à revolta, ao desejo profundo de justiça. Que ao menos a dor seja minimamente aplacada com a punição dos culpados. E que tantas lágrimas sirvam de exemplo para que tamanha tragédia não se repita nunca mais.