segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O dominador

Submissão total. Meu corpo pertence a ele. Meus desejos, meus pensamentos, meus instintos são dele. Ele tem a chave de todas as minhas fechaduras. Para ele abro todas as portas, abro minha mente, abro meu corpo e o entrego, como recompensa por tudo de bom que ele me faz. A entrega é completa, só ele tem a permissão para fazer o que bem quiser comigo. Amarrar, morder, apertar, apalpar, amordaçar, agredir, surrar, beijar, tocar. Apenas a ele eu me submeto. Eu obedeço suas ordens feito criada, sou objeto para sua livre manipulação. Eu pertenço a ele, sou dele e ele é meu DONO. Como ele diz: "sou teu macho e você é minha fêmea". 
Necessito ser sempre dele.
Dependo inteiramente desse homem. Eu choro sem pena na cara dele, tentando mostrar o quanto o preciso o tempo todo, o quanto seus carinhos e sua rispidez são o ar que eu respiro, são o que me mantém. Comigo ele se sente mais homem, daqueles bem à moda antiga, pois eu deixo ele exercer todo seu poder sobre mim... O tempo passa depressa quando estamos juntos, ele sabe ser carinhoso e romântico quando necessário. Sou a mulher dele.  Eu, a cordeira e ele o lobo mau. Sou Escrava. Serva. 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Sem lembranças


Já perdi as contas de quantas vezes perdi a memória e isso vem acontecendo frequentemente nos últimos meses. Perdi as contas de quantos perfumes usei na vida e do quanto cada um deles está ligado a tantas lembranças, umas até que eu queria esquecer para sempre. Falta-me memória para recordar coisas simples, como o que almocei ou o que vesti ontem, mas sobra memória para lembrar as feridas que não foram curadas, como um sinal de alerta de que eu preciso resolver determinadas situações. Como mexer em questões que não envolvem só a mim? Como chegar até quem interessa se eu nem sei o que está mal resolvido ou como resolver? Certas coisas, quanto mais mexemos, mais causam dor. Certas coisas tem que ficar enterradas, embora vivas. E não importa o quanto o seu inconsciente vai gritar, não importa quantas vezes você vai sonhar com isso, o tanto que vai pensar: é necessário que sejamos fortes o suficiente para conter o impulso do inconsciente e deixar o passado no passado. E não tocar, não mexer, na esperança de que tudo morra por sufocamento.

Opressão

Era madrugada quando o telefone tocou. Ela acordou em sobressalto, assustada, não sabia de onde vinha aquele som e demorou até conseguir abrir os olhos e entender o que estava acontecendo. Correu até a sala, cambaleando, embriagada pelo sono profundo em que se encontrava e quando atendeu, do outro lado da linha tinha um homem sedento de atenção. Ele falava sem parar no quanto queria e precisava vê-la naquele momento, do cansaço da viagem, que precisava do cheiro dela, da pele, do toque. Ela hesitou por um momento, ao pensar nas responsabilidades da manhã seguinte, do relógio que inevitavelmente despertaria às 6 horas da manhã e ela não teria a chance sequer de dormir mais 5 minutos. Mas dado o contexto de sono e fragilidade por ser acordada de forma tão brusca e inconveniente, se considerássemos a forma peculiar que ela tinha de ser tão permissiva com os homens, de colocar-se sempre à disposição, de pensar que nasceu para cuidar e satisfazer um deles, aquele coração mole não permitiu que da sua boca o “não” latente pudesse sair. Disse que aceitava recebê-lo, embora nem todos os vizinhos estivessem dormindo e o apartamento bagunçado, malas pela sala prontas para a viagem de quatro horas que lhe aguardava na noite seguinte. Em menos de 15 minutos ele chegou, não hesitou e nem se importou com o movimento alheio ao segurar seu corpo com força e calor. Pouca conversa e ação: ele estava sedento pelo corpo dela, cheio de desejo, queria desfrutar dos atributos e qualidades que só ela tinha. Ela saciou toda vontade dele, revigorou a vontade dele de viver. Como numa visita de médico, ele se vestiu e tratou de ir embora, afinal já estava muito tarde e ele também tinha compromissos, com a desculpa de que ela tinha que dormir, embora ela não tivesse dito nada. Ela nada falou, um beijo sem graça de despedida, bateu a porta, acendeu um cigarro e passou as próximas horas insone, fumando desmedidamente, tentando lidar com a culpa que sente por lhe faltar amor próprio, por ser tão flexível, colocar sempre os desejos do outro em primeiro lugar e sendo levada a fazer tudo que seu homem quer. Adormeceu. Celular desligado.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Perguntas sem respostas



Um vento louco e cortante bate no meu rosto na madrugada fria de um triste inverno, num ano ímpar e peculiar. Se a vida é isso, não há um motivo em viver, se do acaso viemos e para a cadeia alimentar entraremos, nós, humanos que não tem predador, que maldito seja este acaso de merda que me fez nascer. Não gosto das coisas que não fazem sentido, não gosto de não entender a razão de tudo ser assim, não há amigos imaginários protetores dos desamparados, não há o amanhã se eu não quiser. Se o que me faz feliz nunca está ao meu alcance, que mal tem em abrir mão de tudo e não sair nunca mais da minha cama? O que me obriga a viver uma vidinha medíocre, que vai desde porres homéricos e hediondos até sexos animalescos e sem sentimento nenhum? Por que não somos totalmente livres para buscar aquilo que nos completa, abala, causa tremor e furor de tanta alegria? Não é coerência, concordância, motivo, razão. Sobram as perguntas e faltam as respostas. Seres incompletos e questionadores que acordam pela manhã e tomam seus cafés amargos e muitos comprimidos, trabalham, internet, algumas risadas, muitas lágrimas e um vazio que raramente é preenchido. Então meu filho, deixa a música tocar, fuma teu cigarro e apaga na pele pra sentir que está vivo, que ainda sente alguma coisa, nem que seja dor. E cala a boca, cessa o infindável questionário sobre o que é a vida, porque todas essas questões não passam de vãs e vazias reflexões.

E os contos de fada?

E os contos de fada? Realmente não existem.

São poucos os que têm a sorte de um amor tranquilo. Na maior parte do tempo encontramos pessoas insatisfeitas que se contentam com o mínimo que carinho e atenção, embarcando em uma relação que já começa fadada ao fracasso: cai-se na rotina e a maior inimiga dos apaixonados bate à nossa porta - a acomodação. Quando o único programa é sair para comer, quando acaba o dinheiro, quando nos afastamos dos amigos, cometemos erros que só enterram o pouco que se tem. Somos egoístas demais para fazer um relacionamento dar certo, amargos o suficiente para não acreditar e tudo que é previsível é tedioso. Com a convivência desenvolvemos maneiras de fugir de uma conversa difícil, maneiras de convencer e irritar o outro, o sexo é sempre o mesmo. O ser humano gosta de desafios e desafiar hoje é correr o risco de parecer “fazida” e difícil. O jeito é dar adeus ao que nos frustra, abandonar o que não nos surpreende e viver longe daquilo que nos prende. Nesse movimento de fugir das regras e optar por uma vida solitária, o tempo que dedicávamos a uma relação sobra para nos conhecermos melhor. Estar só é ter tempo de refletir tanto sobre isso que acabamos perdendo as esperanças. Os contos de fada realmente não existem.

Eis a questão


E se, de repente, eu desistisse de tudo? Sem lágrimas nos olhos, colocar o básico numa mochila, pegar uma carona e ir para qualquer lugar. Banhos em postos de gasolina, lavar a louça por um prato de comida, ir pegando uma carona atrás da outra e nunca saber onde vai parar. Viver uma vida sem planos, sem obrigações, sem impostos e como diz a música: “sem lenço e sem documento”. Experimentar o que o mundo tem a oferecer para quem realmente não se enquadra nos estereótipos, quem desistiu de acreditar em dias melhores e apenas vive, um dia atrás do outro, sem o dever de ser feliz. Viver à margem da sociedade, literalmente. Quem sabe assim eu conheço todo o estado, o país, o mundo? Quem sabe assim eu esqueço as dores que essa vidinha medíocre e certinha, cumpridora da Lei, boa cidadã me trouxe? Quem sabe assim não acontecerão mais frustrações pelos planos que não se realizam? Quanta gente boa eu vou conhecer, quantos caminhos à percorrer? Vivendo a vida de uma forma peculiar, parando em manchetes de jornais e televisão? Sem amores, sem dores, sem paradeiro certo, sem residência fixa, sem saber e não ter a mínima ideia de como serão amanhã... Quem sabe a ânsia de ser feliz se resume em uma palavra: LIBERDADE?

sábado, 6 de outubro de 2012

Epitáfio

E no fim da madrugada
toda minha inspiração
no cigarro uma tragada
um alívio para o coração.
Pink Floyd na vitrola
e mais um gole de uísque
força que não se controla
antes que eu arrisque.
Se o mundo está assim
a culpa não é minha
ódio dentro de mim
e um frio corre na espinha.
Aqui jaz um coração
cansado de sofrer em vão
e no final desse verso
deixo toda desconsolação.


Uma noite trágica

A noite está fria, o drink praticamente virou em nada depois que o gelo derreteu, enquanto ela brinca, demoradamente, com os dedos na mesa sobre a água que escorreu do copo. O relógio no pulso parou, o bar está esvaziando e ela têm acendido um cigarro à cada cinco minutos nas últimas horas. O rímel borrou com as lágrimas que rolaram e que ela rapidamente secou: chorar é para os fracos e covardes. Ela não se permite chorar, ela não admite chorar, mas as lágrimas simplesmente não a obedecem mais. O combinado era se encontrar às nove, já passa das duas horas e muita gente entrou por aquela porta, menos quem ela esperava. Enquanto a raiva corrói o que lhe resta de educação, ela tenta decidir se enfia a mão na cara dele até sangrar ou se quebra todo o carro, que ele protege mais do que seu membro genital. O que causará mais dor? O que vai acabar com o ego dele? Pouco importa se ele vai odiá-la depois do barraco que vai acontecer, homem que tenta fazer ela de boba sempre se ferra. Os ponteiros no relógio não param, as pessoas riem e conversam, o garçom já limpou o cinzeiro umas três vezes e a comanda está cheia, tanto quanto ela está cheia dessa vida de mendiga, que se contenta com migalhas, com encontros que tem hora para começar e terminar, com tanta manipulação, insubordinação, ela está cansada dos sorrisos enferrujados que brotam em seu rosto enquanto sussurra um "sim" contendo o grito do "não". Ele fica bravo se ela não faz o que ele quer, se ela não dá o que ele sempre vem buscar, se ela pede só um pouco de romantismo em vez de tanta sacanagem. São quatro horas da manhã, ela levanta, se recompõe, pega a bolsa, paga a conta e vai embora, certa de que isso não vai continuar.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A dor da ausência

Eu sinto sua falta muito mais do que você pode imaginar. Quando sento para descansar no fim de tarde, quanto sirvo o mate para tomar. Sinto falta das nossas conversas infindáveis, discutindo teorias ou qualquer outro assunto que surgisse. A gente sempre conversava bastante sobre tudo, menos sobre nós dois. Falar da nossa relação era um monólogo: eu sempre falava, você sempre ouvia. Eu cansava de falar, você cansava de ouvir, ficava angustiado, mas nunca agiu diferente, nunca se abriu de verdade. Sinto falta, também, do cuidado e carinho que você me dava quando estava preocupado comigo. Sinto falta da sua mão na minha ao caminhar pelas ruas; falta do seu peito para eu encostar a cabeça e dormir segura. Fazem falta nossos passeios, viagens, expedições na natureza; faz falta você brigando comigo e me chamando de fresca quando aparecia um inseto. Dói saber que agora eu não tenho quem chamar por apelidos carinhosos, diminutivos bobos que só os apaixonados entendem, que eu não tenho para quem dar todo carinho guardado, não há quem receba meus beijos, mordidas, abraços tão repentinos e desmedidos. Não divido a vida com ninguém, intimidade e liberdade para qualquer coisa não tenho mais. Os problemas eram minimizados quando você estava por perto, mas existem coisas que eu não sinto falta. Não tenho saudade do ciúme doentio, das fúrias que você tinha se eu pedia um favor (dirigir, por exemplo), das caras feias quando ia contrariado em algum lugar comigo (só para não me deixar ir sozinha); não sinto falta de quando você fugia, bravo, de alguma conversa importante, de quando não contava as coisas para mim e eu só ficava sabendo depois, da maneira legal que você agia com os amigos e do quanto se preservava quando eu estava junto. Mas todas as coisas que eu não sinto falta são ínfimas diante da importância que a sua presença tinha e tem para mim. Não sei dizer ao certo o que acabou com o nosso "nós dois", se foi o meu egoísmo exagerado ou a sua falta de abertura; se foi o ciúme ou a rotina; o distanciamento ou o quanto somos diferentes. Não sei dizer o que nos manteve junto tanto tempo, se foi amor ou amizade, carência ou imaturidade, acomodação ou sonhos à dois. Nunca pensei que fosse sentir tanto a tua falta, ainda mais das coisas bem simples, mão na mão, carinhos espontâneos, segurança. "De repente ser livre até me assusta, me ver sem você certas vezes me custa".

Homo Sapiens. Sapiens?

O mais complexo de todos os animais existentes sobre a face da terra, sem sombra de dúvidas, é o ser humano. Dito racional, portador do polegar opositor, dotado de memória e capaz de planejar e prever o futuro, em tese, deveriam seus atos serem os mais calculados e coerentes possíveis. Mas, contrariando todas as previsões e suposições, por vezes age de forma irreconhecível pelos seus semelhantes, totalmente descontrolado e fora de qualquer padrão. O homem é imprevisível. Embora todo este desenvolvimento, seus instintos animais nunca foram totalmente adormecidos. Gritam e agridem quando ameaçados, nunca perdem a vontade de reproduzir a espécie, correm diante de situações de perigo, tendem a guardar os alimentos para uma possível escassez. Conforme as leis do reino animal, o homem, por não possuir predador para sua espécie e ser ele mesmo o maior e mais temido predador da natureza, sua população cresceu desenfreadamente. Quando isto acontece, os animais irracionais param de se reproduzir e geralmente matam alguns membros com vistas ao controle do número populacional, para que o alimento não falte e a espécie venha a ser extinta. E o ser humano não foge a essa regra. O número de habitantes cresceu demais, dados os recursos naturais disponíveis para o nosso mantimento. Recursos estes que estão à beira do esgotamento. Matam uns aos outros perversamente como se, por instinto, estivessem querendo controlar o número de habitantes terrestres. Estamos à beira de uma catástrofe natural que acabará com a raça humana. Espero, sinceramente, que isto aconteça porque o egoísmo e a soberba cresceram demais. Já não temos dias de paz, vivemos acuados como animais presos em gaiolas, sempre correndo e desconfiados. Nesta selva louca, acordar em cada manhã é uma dádiva. E chegar em casa inteiro ao fim do dia também.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A canção do meu erro


Eu achei que ele era um cara legal, afinal de contas nos encontramos em uma madrugada fria, num momento pós-festa de pura depressão e ele me falou as coisas mais interessantes que ouvi nos últimos tempos, elogios teatrais que me fizeram acreditar que ele estava falando a verdade (“Ela procurava um príncipe, ele procurava a próxima”). Não, eu não estava bêbada, não posso usar isso como desculpa por ter caído naquela conversa, mas a insistência foi tanta e eu não tinha nada a perder que decidi encarar, cheia de ressalvas que ele sem hesitar aceitou, me deixando com apenas uma opção que era aceitar seu convite para dormir no quarto dele, de pijamas, só para conversar. Foi convincente demais, aceitou e acatou todas as minhas exigências e nada pediu a não ser que continuássemos nosso papo que estava tão legal em um lugar mais aconchegante, não poderíamos perder aquela oportunidade, pois raramente se encontra alguém legal de verdade numa madrugada perambulando por aí. Entrei no táxi, temerosa, trêmula e tão tímida que mal conseguia abrir a boca para responder, mal conseguia dar continuidade na conversa. Na cabeça mil coisas: medo, curiosidade, carência, vergonha, arrependimento. Fiquei parada como uma estátua enquanto ele falava sem parar, tentando me deixar à vontade e acabei cedendo ao cansaço e deitei, sucumbindo ao sono. Ele me beijou (“Os lábios se tocaram ásperos, em beijos de tirar o fôlego”) e foi fantástico, romântico, carinhoso, um verdadeiro gentleman respeitando todos os meus limites. Fui me encantando e me soltando, conseguia sorrir enquanto conversávamos nos escuro e de repente ele me interrompe e diz: “continua falando porque eu quero apenas ouvir tua voz, ela é tão suave e sexy”. Falava que eu era a primeira mulher a entrar ali e deitar na sua cama, depois do fim de um longo relacionamento, pois eu era a única pessoa com um papo interessante o suficiente para ele convidar a viver tamanha intimidade; contou sobre a tempestade que enfrentou e do quanto já conseguiu se reerguer, enquanto ouvíamos blues no rádio e aquela penumbra nos embriagava, ora de sono, ora de desejo. E toda aquela paciência com todos os meus tiques e manias, minha timidez típica que só desaparece se algumas doses estão correndo nas minhas veias, ele me encantou e eu cedi aos nossos desejos e foi incrível (“ela flutuava lépida, ele sucumbia ao pânico e ela descansava lívida”). Ele me levou em casa feito um namoradinho dos tempos de escola, sempre tão cuidadoso em me manter alegre e relaxada, ligou naquele domingo e nos dias que seguiram, nos vimos de novo na semana seguinte e tudo estava indo bem (“o mundo redigiu-se ínfimo, desenhou-se a história trágica”). Até que eu percebi que tudo não passava de uma farsa para me conquistar, para conseguir o que ele queria. Eu não me perdoei. Eu que sou uma mulher tão vivida, tão profissional, tão madura, que me julgo conhecer os homens como à palma de minha mão, que me considero expert em assuntos do coração, a conselheira das amigas que tem o coração quebrado... Fui cair nas garras de um lobo ardiloso vestido em pele de cordeiro e travestido de príncipe encantado (“ele enfim dormiu apático, na noite segredosa e cálida”), mostrando-se como a solução para a minha solidão, que tinha encontrado quem ele esperava e procurava... Onde foi que eu me perdi? Que parte da história eu não entendi? Era só sexo então? (“ela despertou-se tímida, feita do desejo a vítima”) Não precisava gastar o teu latim, poderia ter sido bem direto embora eu entenda que não agiu desta forma por saber que eu não cederia. Tudo bem que tenha me convencido a te acompanhar, mas chegando lá era só me beijar, não precisava todo aquele clima, tantos elogios, telefonemas e gentilezas (“amor em sua mente épico, transformado em jogo cínico”). Não se brinca assim com o desconhecido. Não se brinca com os sentimentos de uma mulher. E eu que já era desconfiada, agora fiquei muito pior. Obrigada por piorar a minha frieza. Por me deixar mais incrédula nas pessoas. Por me fazer mais temerosa diante dos homens. 

“Pra ele uma transa típica, o amor em seu formato mínimo
O corpo se expressando clínico, da triste solidão a rubrica”.




Minha cruz


Caminhando pelas ruas escuras numa madrugada fria, onde só minha sombra e o vapor da minha boca me acompanham, eu conto os passos, eu chuto as pedras, eu conto os ladrilhos, atravesso a rua sem olhar para os lados, entro nos bares mais porcos que aparecem na quebrada de uma esquina. Não, hoje eu não quero cerveja, quero algo mais forte, algo entre um uísque 12 anos ou uma tequila mexicana com muito sal e limão. Pode trazer uma carteira de cigarros, aqueles do filtro amarelo, o mais forte e venenoso que tiver para vender nesta espelunca. Quero observar esses desocupados jogando sinuca ao longo da noite, cuidar quem entra e quem sai, o quanto e o que bebem, quero ver a vida dos outros acontecendo para esquecer o poço de lama que é a minha. O cinzeiro está cheio, lá se foram 20 cigarros, quero mais e quando trouxeres aproveita e me traz um cinzeiro limpo, eu odeio o cheiro que fica desses tocos apagados e amassados. Quero cuidar a porta, já pensou se por um acaso louco do destino você estrasse por ela e dividisse esse fim de noite comigo? Mas com certeza isso é impossível de acontecer, você está há milhares de quilômetros daqui, dormindo numa cama quente e acompanhado de quem ama, viciado numa rotina matrimonial que me cansa só de pensar, de mercados, almoços, juntar calçados pela casa e dar umazinha bem mais ou menos de vez em quando. Além disso, ninguém no mundo sabe onde eu estou agora, então pouco importa o quanto estou bebendo e fumando, nem pra onde vou quando eu sair daqui. Só quero encher a cara e destruir meus pulmões, numa morte lenta, curtindo toda esta infelicidade, esta vida antissocial, isolada dentro de mim mesma, que conversa com o nada, até com uma árvore ou um cachorro porque as pessoas me cansam. Quem sabe um dia eu te reencontre para sentir aquelas borboletas na barriga que sentia quando te via, para ver meus olhos brilhando daquele jeito único e marcante, me pegar sorrindo de verdade de novo. Queria te encontrar agora, não por ti (como boa egoísta que sou), mas por quem eu era e fui quando você dividia uma bebida como essa comigo. Uma bela jovem, cheia de vida, de sonhos, completamente apaixonada e confiante de que tinha encontrado o amor da minha vida. Quero me sentir de novo assim, aquela reciprocidade que nunca mais senti, a segurança e o aconchego que só conheci nos teus braços. Quero voltar a ser quem eu era, tão diferente do que sou hoje. Envelheci uns 15 anos desde que você se foi, penso como uma senhora idosa que só espera a morte porque não acredita que a vida seja boa. Sim, e fico tentando apressar essa hora como posso, tomando porres hediondos, fumando tudo que é porcaria, aceitando qualquer proposta, fingindo que não sinto nada, pegando frio, chuva, sol e qualquer homem que me queira, sexo pelo sexo, prazer por prazer, depois mandar a merda e enxotar da minha vida. Tanto faz quem eu sou agora, que merda de vida que eu vivo. Já estou cheia disso, meu discurso nunca muda porque a ferida continua aberta e eu não aguento mais, não suporto essa ladainha, esses mesmos lamentos há anos, esta mesma raiva há tanto tempo, todos os dias tudo sempre igual. Às vezes parece que acabou, mas quando vejo uma estrela cadente no céu e, por superstição, faço um pedido, é sempre teu nome que me vem à cabeça. Você é a minha cruz, minha maior perda, símbolo da minha derrota, uma dor que parece que não vai ter fim. Será que um dia isso vai curar de verdade?  

Só uma curiosidade



Sim, sou alguém que traz muitos arrependimentos dentro de mim. Fiz tudo errado, diversas vezes e sempre tive a curiosidade de saber onde eu estaria e quem eu seria se eu tivesse tomado decisões diferentes. Existiram momentos em que a decisão que eu tomei me trouxe para onde eu estou hoje, mas em todas elas eu tinha outra opção. E se eu tivesse escolhido o outro caminho? Se tivesse ouvido os conselhos que tanto e reiteradamente me deram? Talvez hoje eu não estaria à mercê da solidão, desilusão, frieza, desencanto, desamor. Mas não adianta chorar pelo que já passou, ainda não inventaram uma máquina do tempo que nos proporcionasse apenas uma chance de voltar atrás e fazer as coisas diferentes. Cada escolha, uma consequência. Cada escolha, uma renúncia. Renunciamos algo em detrimento de outra opção e não me falta curiosidade de saber como eu estaria se eu tivesse escolhido o caminho que deixei para trás, há algum tempo. Eu pagaria pra saber. Pagaria para poder optar novamente. Mas todas estas possibilidades não tem a mínima chance de acontecer e enquanto meus olhos estiverem no passado, o presente fica desassistido, não cuido do agora, muito menos do amanhã que pode ser um futuro melhor do que hoje, ou não. 

E se a vida de repente acabasse?


E se a vida de repente acabasse? Como num relógio que acaba a pilha e os ponteiros param de andar? Ou como num carro que acaba o combustível e ele simplesmente para, não importa o quanto você esteja apressado? Se a minha vida acabasse agora, ficariam os boletos e as encomendas que ainda não chegaram enchendo minha caixa de correio. Ficaria o sonho de fazer outra faculdade esquecido. Os filhos que eu tanto quero ter, o sonho de entrar na igreja toda de branco, o sonho de ter uma vida que eu costumo chamar de “medíocre”- tudo parado no tempo. Quem sabe até “o cara”, aquele que eu estou esperando a vida inteira para viver ao meu lado, nem chegasse a me conhecer. E daí ele teria que bolar outro plano, achar outra parecida comigo para não ficar sozinho. Minha mesa no trabalho ficaria vazia, mas meu lugar logo seria preenchido porque tem muitas profissionais esperando para pegar o meu lugar. As roupas e calçados novos ficariam me esperando para viverem muitas coisas juntos, guardados em caixas e cabides, entristecidos por não terem completado o fim a que vieram neste mundo. Perfumes, cremes, shampoos pela metade, ainda com meu cheiro, com minhas marcas. Cremes que envelhecem em seus frascos por eu nunca ter tempo ou ânimo de usá-los, a menos que eu vá encontrar alguém importante que vá cheirar minha pele. Todas as minhas coisas passariam a ter novos donos, provavelmente pessoas queridas que estivessem tristes com minha ausência, mas minimamente confortadas por poderem ficar com algo que era meu. Objetos que um dia ou todos os dias vão olhar e lembrar-se de mim. Sei que muitos sentirão demais a minha falta, mas os dias inexoravelmente passarão, a dor vai dando lugar a saudade e esta saudade vai passando, pois a vida de cada um teria que continuar. E assim somos: simples animais que do nada vieram e para o nada voltarão. Somos obras de um acaso, que uniu um óvulo e um espermatozoide e por estarmos vivos temos que tornar os dias aqui os melhores possíveis. Em um triste momento esta máquina vai parar e entramos novamente na cadeia alimentar, não como predadores, desta vez somos como presas, servindo de alimento para outros. A morte é só um coração que para de bater, mas acaba com muitos corações que ficam. E a vida é mais frágil do que um cristal.