Caminhando pelas ruas escuras
numa madrugada fria, onde só minha sombra e o vapor da minha boca me
acompanham, eu conto os passos, eu chuto as pedras, eu conto os ladrilhos,
atravesso a rua sem olhar para os lados, entro nos bares mais porcos que
aparecem na quebrada de uma esquina. Não, hoje eu não quero cerveja, quero algo
mais forte, algo entre um uísque 12 anos ou uma tequila mexicana com muito sal
e limão. Pode trazer uma carteira de cigarros, aqueles do filtro amarelo, o
mais forte e venenoso que tiver para vender nesta espelunca. Quero observar
esses desocupados jogando sinuca ao longo da noite, cuidar quem entra e quem
sai, o quanto e o que bebem, quero ver a vida dos outros acontecendo para
esquecer o poço de lama que é a minha. O cinzeiro está cheio, lá se foram 20 cigarros,
quero mais e quando trouxeres aproveita e me traz um cinzeiro limpo, eu odeio o
cheiro que fica desses tocos apagados e amassados. Quero cuidar a porta, já
pensou se por um acaso louco do destino você estrasse por ela e dividisse esse
fim de noite comigo? Mas com certeza isso é impossível de acontecer, você está
há milhares de quilômetros daqui, dormindo numa cama quente e acompanhado de
quem ama, viciado numa rotina matrimonial que me cansa só de pensar, de
mercados, almoços, juntar calçados pela casa e dar umazinha bem mais ou menos
de vez em quando. Além disso, ninguém no mundo sabe onde eu estou agora, então
pouco importa o quanto estou bebendo e fumando, nem pra onde vou quando eu sair
daqui. Só quero encher a cara e destruir meus pulmões, numa morte lenta, curtindo
toda esta infelicidade, esta vida antissocial, isolada dentro de mim mesma, que
conversa com o nada, até com uma árvore ou um cachorro porque as pessoas me
cansam. Quem sabe um dia eu te reencontre para sentir aquelas borboletas na
barriga que sentia quando te via, para ver meus olhos brilhando daquele jeito
único e marcante, me pegar sorrindo de verdade de novo. Queria te encontrar
agora, não por ti (como boa egoísta que sou), mas por quem eu era e fui quando
você dividia uma bebida como essa comigo. Uma bela jovem, cheia de vida, de
sonhos, completamente apaixonada e confiante de que tinha encontrado o amor da
minha vida. Quero me sentir de novo assim, aquela reciprocidade que nunca mais
senti, a segurança e o aconchego que só conheci nos teus braços. Quero voltar a
ser quem eu era, tão diferente do que sou hoje. Envelheci uns 15 anos desde que
você se foi, penso como uma senhora idosa que só espera a morte porque não
acredita que a vida seja boa. Sim, e fico tentando apressar essa hora como
posso, tomando porres hediondos, fumando tudo que é porcaria, aceitando
qualquer proposta, fingindo que não sinto nada, pegando frio, chuva, sol e
qualquer homem que me queira, sexo pelo sexo, prazer por prazer, depois mandar
a merda e enxotar da minha vida. Tanto faz quem eu sou agora, que merda de vida
que eu vivo. Já estou cheia disso, meu discurso nunca muda porque a ferida
continua aberta e eu não aguento mais, não suporto essa ladainha, esses mesmos
lamentos há anos, esta mesma raiva há tanto tempo, todos os dias tudo sempre
igual. Às vezes parece que acabou, mas quando vejo uma estrela cadente no céu
e, por superstição, faço um pedido, é sempre teu nome que me vem à cabeça. Você
é a minha cruz, minha maior perda, símbolo da minha derrota, uma dor que parece
que não vai ter fim. Será que um dia isso vai curar de verdade?