terça-feira, 20 de novembro de 2012

O jogo

Meus passos ainda são tortuosos e cambaleantes, embora em meu sangue não haja nenhum sinal de teor etílico. É como se a presença dele me embriagasse subitamente, com seu hálito de menta que sempre fala tão próximo do meu rosto, como se não existissem espaços vagos suficientes para nos mantermos à uma distância aceitável para uma conversa informal entre dois amigos. A pele levemente dourada pelo sol da primavera contrasta com seus dentes sempre tão brancos e impecavelmente cuidados, que não ousam se esconder sempre que me vêem e se expõem despropositadamente em largos sorrisos. Os olhos são castanhos, o que poderia ser plenamente comum, mas os olhos dele tem uma profundidade diferente, como se suas pupilas se dilatassem e contraíssem, conforme o corpo dele se aproxima e se afasta do meu. E a embriaguez que ele me causa, devido a esse conjunto de detalhes que para mim nunca são imperceptíveis, é admirável, pois não venho me considerando uma mulher que cai fácil em armadilhas, não ultimamente. Com o tempo e os tombos infinitos, as mulheres (ou pelo menos algumas delas) desenvolvem um jeito perspicaz de se auto-protegerem, em geral se escondendo atrás de máscaras, disfarçando suas reais intenções. Daí minha admiração por todas essas reações absurdas e enigmáticas que ele me causa, como se com ele nenhuma máscara parasse em meu rosto, nenhum tipo de disfarce fosse forte o suficiente para me proteger. E eu fico ali, em um quase estado de transe, com lábios mendigantes por um beijo, apenas um que fosse e acho que no instante em que isso acontecesse, eu perderia o chão. Sem fantasia, sem armas, entregue, nua e crua e, verdade seja dita, é como se ele entrasse em minha mente de forma tão voraz, capaz de desligar todos os meus mecanismos de defesa,  me fazendo crer que, contra esses sentimentos não existem antídotos. E isso sempre acontece, todas as vezes que eu o encontro demoro para recobrar meu estado de sanidade mental. E ele, tão sedutor, certamente sabe de todo esse furor que me causa. O que ele não sabe é em que momento perderei a cabeça, e daí sim, veremos quem é a verdadeira FERA desta história toda.  

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Constatações

Quando chão falta aos meus pés, quando tudo está estremecendo, como num terremoto em que tudo está prestes a desmoronar, é só do seu sorriso que eu consigo lembrar. Neste momento em que eu só queria ter alguém por mim, pra me proteger, me segurar pois a queda é iminente, pra me dizer para que eu não me preocupe porque esse alguém está ali, do meu lado,  é só seu rosto que eu consigo enxergar. Você era forte, me fazia forte, me dava a paz que eu tanto preciso. Você era cheio de vida, dotado de determinação, nada lhe segurava, sua ambição era quase desmedida. Você chegou exatamente onde quis, alcançou seus sonhos tão merecidos, mas nesta busca toda, você me deixou para trás. Se perdeu de mim, soltou minha mão no meio da multidão e hoje eu simplesmente não existo pra você. Hoje que eu me tornei aquela pessoa que você queria que eu fosse, independente, um mulherão, moderna, uma excelente profissional, conquistei meu espaço, adquiri o que é necessário, hoje que eu sou a mulher que você sonhava, não é ao meu lado que você está. Engraçado que, mesmo depois de tudo de ruim que aconteceu, as boas lembranças são sempre as que mais falam, as que soam mais alto. E quando meu mundo está prestes a vir ao chão e eu estou tão perto do fracasso, não consigo imaginar outra pessoa pra me segurar, a não ser você. Isso só evidencia que lá no fundo você ainda é o rei, aquele que fez morada e nunca perdeu seu trono, o único homem que realmente me teve em seus braços com uma entrega total e apaixonada. Você ainda está tão presente aqui dentro como quando me entreguei nos primeiros beijos, como quando desenhava corações com nossos nomes, como quando contava as horas pra te reencontrar. E mesmo que hoje você seja tudo que eu mais precisava, nem que fosse só um abraço, nem por decreto eu teria você. O destino te levou por outros caminhos, não tenho mais a permissão pra te procurar, os caminhos não são mais livres como antes. E mesmo que eu morra aqui, só querendo teu olhar, morrerei consciente de que meu sonho derradeiro nunca poderá se realizar.

domingo, 4 de novembro de 2012

Partidas

E de repente eu me vi ali, sentada, ou melhor, atirada no sofá, um copo de cerveja americana cheio e muitas latas vazias no chão, um cinzeiro derramando tocos de cigarro pra fora e eu finalizando o que seria a terceira carteira do dia, com mais um prego do caixão aceso, entre os dedos, na maior melancolia. Descobri que dentro de mim ainda moram os sonhos de menina, aqueles que eu pensei que tinham se perdido com o tempo em meio a tantas decepções. Mas o fato destes sonhos estarem tão vivos e acesos quanto antes me coloca numa posição de ter que concretiza-los por bem ou por mal, para me autorrealizar. Ter sonhos é ter motivação para viver, mas os meus só me deixam deprimida. Era bem mais fácil ontem, quando eu estava feliz e bem resolvida com a ideia de ser solteira para sempre e nunca ter filhos, pois eu acredito que o mundo esteja cheio demais. Meus sonhos me colocam na dependência de encontrar uma pessoa que queira as mesmas coisas que eu, construir um lar, uma nova família, me dar seu sobrenome e filhos lindos e bem criados, porque eu sei que os criarei muito bem. Estes malditos sonhos são tão românticos e à moda antiga que eu diria que são quase impossíveis de se realizarem. Fui preparada durante uma vida inteira para ser uma esposa exemplar, submissa, parceira, companheira, passiva, amante, apaixonada, mas não é isso que a sociedade moderna exige das mulheres de hoje. Ela exige exatamente aquilo que sou neste momento: uma mulher independente, profissional, que ama o que faz e recebe bem por isso, mora sozinha e só pensa em aproveitar a vida, fazer pós-graduação, mestrado, doutorado... Muitos farão chacotas e dirão que devo procurar um analista, quando eu disser que, no fundo, ser assim não me satisfaz, não me completa diante de minhas vontades mais profundas. Nasci para amar, como boa pisciana, aquelas mulheres em que a vida é o casamento. Mas não se fazem mais homens como antigamente. Os homens de hoje estão tão acostumados com a liberdade que não querem se prender à fidelidade exigida para que uma relação seja duradoura e estável. Esse tipo de coisa é considerada sem graça hoje em dia. E então, me peguei aqui, pensando sobre tudo isso e sem ter uma conclusão precisa, condenada talvez a uma vida de reflexão e de andar conforme as ondas, conforme a maré que a vida vai proporcionar e conviver com o que ela vai ou não trazer. Mas isso é pouco para mim, quero muito mais e este querer só me faz sofrer. No mais, estou indo embora baby, lá para os anos 20.

Sem julgamentos

E então não me condene se eu falo sozinha, se eu brigo com o espelho ou se eu tenho medo do silêncio e da completa escuridão. Fale no dia em que estiver na minha pele e puder tomar as decisões por mim, talvez assim consiga apagar o cigarro enquanto digito e jogar toda cerveja e a vodka no ralo, me tirando de uma vida de possível alcoolismo futuro. Não dirija a palavra a mim se for pra dar pitaco, eu mando na minha vida, você não paga as minhas contas, não está aqui para afastar a solidão e apagar todas as memórias ruins que me rodeiam. Não diga nada quando souber que eu ando pelas sarjetas, vivendo amores voláteis de uma noite, afinal, foi você quem e jogou nesta neste inferno quando me virou as costas naquela esquina. É isso, a razão de tudo, de todo este descontrole, de toda sensação de estar perdida nasceu naquele dia em que você me expulsou da sua vida, me deixando jogada às traças, sentada na janela do sétimo andar, com as pernas balançando no ar. Mas eu sou uma medrosa e covarde, deveria ter aprendido a voar naquela manhã enquanto o sol nascia, para que você carregasse a culpa todinha das suas costas. E não foi o que eu fiz, fiquei parada na tua e entregando tudo que você queria durante longos cinco anos e agora só não é assim porque você não está por perto.