quarta-feira, 15 de abril de 2015

Ele? Incerteza.

Muitos anos se passaram desde aquela noite de carnaval, mas até hoje ela não sabe dizer o que sente em relação a ele. Afirma publicamente que sente amizade, carinho e um desejo profundo de que ele seja sempre feliz, mas admite que não sabe qual seria sua reação se ele subitamente aparecesse em sua frente.Não sabe se o encanto voltaria, mas tem certeza que, ao mirar novamente aqueles olhos que ela tanto amou, abriria um largo sorriso. E talvez esse sorriso decifrasse tudo: um sorriso por ter vencido todas as mágoas que ele lhe causou; um sorriso por todas as lições que ficaram depois que os caminhos deles definitivamente se separaram; um sorriso por ele ter lhe mostrado o amor desde as maiores alegrias até as maiores dores que ele causa; um sorriso por todos os altos e baixos, choros e risos, esperanças e desesperanças, por ter movimentado a vida dela por tantos anos; um sorriso de agradecimento por ele não ter desistido de encontrá-la. E dependendo da canção que toca enquanto escrevo esta reflexão, posso dizer que é amizade pura que ela ainda sente, mas ao trocar a canção, já mudo de ideia, ou seja, ele continua sendo a mesma incerteza que sempre foi.

A adolescência de Anabela

Os dedos dela eram frios na extremidades, as unhas curtas de tanto roer não perdiam o esmalte escuro, mãos pequenas e frágeis, quase sempre ajudando o cabelo e o capuz a esconder o rosto. O mundo dela não era aquele em que ela era obrigada a viver todos os dias, era um ser deslocado, que claramente não pertencia àqueles lugares. O cabelo ruivo natural, a postura encolhida sempre procurando um canto escuro, o fundo da sala de aula, sempre nos bastidores, nunca em evidência. Ela tecia sonhos enquanto o professor falava de álgebra, o corpo franzino escondido atrás das roupas largas dançava em um campo verde e florido, enquanto ela sentava encolhida no banco do metrô. Essa era Anabela, uma adolescente incomum, dotada de uma mente fértil, de sonhos inocentes, tímida, poucos amigos e uma espera infindável pelo príncipe que chegava em todos os contos de fada, para tirá-la daquele esconderijo. Anabela era uma daquelas pessoas que nunca se sentia a vontade perto e outras pessoas, porque detestava ter que sorrir, quando na verdade queria correr. Despia-se do disfarce quando fechava a porta do quarto e ousava dançar um balé, sorrindo, cabelos soltos e roupas despojadas, em meio aos seus discos e livros, estatuetas e poemas grudados na parede. Era especial pela sua singularidade, temia as pessoas como um cão maltratado que ataca, sem conhecer. E o resto da história você já conhece.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Remando

E de repente, em meio ao expediente, eu decido me desconectar do mundo, dos assuntos de trabalho, das conversas fúteis das pessoas, das risadas sem graça porque aqui ninguém sorri de verdade, ninguém ao menos é alguém de verdade, pois o ambiente te exige uma postura e uma conduta de acordo. Então eu me fecho e me recuso a socializar com gente que não me acrescenta, preferindo mil vezes e sem hesitar as canções previamente escolhidas e que tocam, uma a uma, nos fones de ouvido. Se achamos que o mundo evoluiu, que a espécie humana evoluiu, afirmo que foi só aparência. Antes o homem corria livre por um mundo limpo, fugia apenas de feras que poderiam o tornar uma presa. Hoje vivemos mais acuados do que nunca, vivendo a ilusão da liberdade enquanto andamos em carros blindados e casas gradeadas, com um olho à frente e o outro à volta, sempre preparados para correr, não de uma fera, mas de outro ser humano como nós que decide atacar, roubar, machucar. E em meio às loucuras e odores desse mundo louco e frenético, cada vez me recolho mais, talvez à minha insignificância. Quando observo um gesto de amor, é uma grande surpresa, quando deveria ser a regra. Me afasto das pessoas que amo justamente por saber que um dia vou perde-las ou elas vão me perder e para evitar sofrimentos maiores, fico longe, observo, torço pela felicidade delas e rezo. Rezo porque não há salvação diante de olhos humanos e as estatísticas só pioram. E cada dia é uma luta diferente, é a convivência com a incerteza de voltar pra casa e de que as pessoas que eu amo também vão chegar.