quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Noites de Tormenta

Hoje voltei a sentir em meus pés as claras areias da praia em que um dia, por sorte, te encontrei. Voltei ao quarto azul e o seu cheiro parecia ainda estar no travesseiro. Lembrei daquela tarde fria em que caminhávamos sob o sol e você apostou comigo que um dia ainda veríamos os pôneis selvagens, embora eu pensasse que isso não passava de uma mera probabilidade. Impossível esquecer o modo sutil como fomos nos conhecendo nos dias em que ficara hospedado na pousada, você o único hóspede e eu uma administradora bem mais que desastrada. Eu te falei dos meus filhos e do relacionamento complicado com o pai deles e meu ex-marido; você falou do quanto havia se dedicado à medicina e do quanto havia esquecido que tinha um filho. Falou da única paciente que perdera em seus braços. E durante o temporal, enquanto discutíamos fervorosamente, com acusações ríspidas machucando como o granizo, você me beijou. E eu não resisti. Éramos dois adultos que se culpavam por seus erros mais do que nunca, mas maduros o suficiente para sutilmente apontar alternativas um ao outro. E naquela noite redescobri o amor, reaprendi a amar. E dançamos, e sorrimos, e engatilhamos um relacionamento que tinha tudo para dar certo. E na despedida, a promessa de escrevermos cartas um ao outro, para que no reencontro nos sentíssemos mais e mais íntimos. Você foi para o México enfrentar seu próprio ego, recuperar seu filho e recuperar sua humanidade. Eu voltei pra casa, enfrentei meus filhos e segui em frente. E a cada carta sua que chegava, virava uma adolescente afoita para te escutar, te saber, te conhecer em tuas palavras. Os meses passaram, o amor cresceu. E na noite do reencontro você não apareceu. E ontem seu filho esteve em minha casa, entregou-me alguns de seus pertences e me deu a triste notícia de que, o mesmo temporal que nos uniu, levou você de mim...foi como uma flor que desabrochou e logo morreu. Mas que ficará para sempre em minha lembrança e será sempre a melhor coisa que me aconteceu.



sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Sexta-feira




Hoje é sexta-feira, o dia da semana preferido dela. Dela e de mais meio mundo. Preferida porque é começo do fim de semana, o começo do descanso para uns e da curtição para outros. Tempos atrás, dificilmente você a encontraria em casa em uma noite destas. A jovialidade corria nas veias dela, o álcool exalava todos os seus desejos e digamos que "tudo poderia acontecer". E toda sexta era especial. Noites de dançar até cansar, beijar bocas nunca antes beijadas e até acordar na manhã seguinte em uma cama que não era a dela. Ou acordar na cama dela com um ser nunca antes visto do seu lado. Mas depois daquele beijo nada mais foi igual. Sextas-feiras passaram a ser a noite do encontro com ele. Ela viajava quilômetros para estar com ele, sempre em uma sexta-feira, sempre observando as estrelas pela janela e rezando baixo para que a lua a protegesse e protegesse o amor que ela estava vivendo. Mas todas as orações que ela fez foram em vão. O amor se perdeu como se nada significasse. Ela perdeu todas as apostas que fez. E em meio à tantas mudanças perdeu-se de si mesma. Agora as sextas-feiras eram as noites de desafiar o impossível. De provar para ela mesma que ainda era capaz de ser desejada. De quebrar toda e qualquer regra que lhe fosse imposta, afinal as regras foram feitas para serem quebradas. Cometeu atos lícitos e ilícitos. Provou os venenos mais fortes, numa quase que auto-destruição. Numa tentativa frustrada de livrar-se de todo ódio que ela sentia. Mais do que nunca beijou por beijar, transou por transar. Alucinou. Viajou para mundos paralelos. E do alto de um prédio quase aprendeu a voar. Ela extrapolou todos os limites imagináveis. Mas depois de tanta coisa vivida, entendeu que tudo era uma fachada. A alegria tinha ido embora para sempre. Hoje as sexta-feiras não significam nada.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O doce sabor da vingança



Eu o amei com todas as forças que eu tinha. Amei aquele homem como podia e como sabia amar. Entreguei tudo. Entreguei-me inteira. Entrei de corpo e alma naquela relação que, para mim, era perfeita. Mas ele não soube me dar o devido valor. Trocou o meu amor por noitadas, farras e outras mil gostosas fáceis que ele pegava e largava quando bem entendia. Sofri. E toda vez que ele aparecia eu, erroneamente, cedia. Sempre acreditei que um dia ele iria entender o grande erro que cometeu e voltaria e recomeçaríamos de onde paramos. Mas ele não voltava com boas intenções - era só para se distrair, receber um pouco de carinho e atenção, depois partia, sem hora certa pra voltar. E o tempo foi nos afastando. A distância se fez presente. A esperança foi morrendo até não sobrar quase nada. E eu pacientemente tenho esperado não mais por ele, mas pelo troco que a vida vai dar a ele. Porque não devemos brincar com os sentimentos das pessoas; não devemos tratar ninguém como um brinquedo. Ninguém é descartável como lixo. E a vida certamente devolveria, lentamente, tudo o que ele me fez sofrer. E foi então que aconteceu. Foi dada a largada da vingança. Ele precisava aprender o quanto dói tomar um pé na bunda, o quanto eu me senti o último ser humano da face da terra, a criatura mais feia e repugnante, o ser mais infeliz. Agora chegou a vez dele ser rejeitado pelo seu mais novo amor, pois ela amava outro e não ele. Então ele percebeu que ser rejeitado dói, e como dói, ainda mais por quem a gente apostou todas as fichas, planejou 1000 coisas, por quem a gente confiava 100% que aquele era o amor da sua vida (que não sei se era o caso dele, mas o meu era). O  ego masculino dele, o instinto de macho dominador e reprodutor agora não passava de um gatinho, sozinho, sem lar, sem carinho. E claro, daí veio a parte mais óbvia: o "endeusamento", a "santificação" daquela que o  rejeitou: ahh, com certeza ela era a mulher mais linda e perfeita e magnífica que ele conheceu...e ele um pobre coitado que não fora digno do amor dela...ele pensou:"é, eu sou um merda mesmo, não merecia aquele mulherão". O que a tornou perfeita aos olhos dele foi justamente o fato dela não o querer mais. E para se reerguer era muito simples: a receita eu já sabia, mas preferi que ele aprendesse sozinho, como eu aprendi. Ele chegou tão ao fundo do poço que mostrou toda sua fragilidade, fraqueza, falta de auto-estima, mostrou o quão legitimamente estava "pagando pau". E quando ela perceber que o tem nas mãos, vai fazer gato e sapato dele. O certo seria ele levantar a cabeça e dar a volta por cima,  cortar relações, nunca mais tocar no assunto, nunca mais vê-la. Legitimamente cortar o mal pela raiz. Isso foi o que eu aprendi, o que eu deveria ter feito ao longo desses anos todos, mas fiz justamente o contrário do que o aconselharia a fazer.