quarta-feira, 11 de julho de 2012

Um cara problemático



Eu quis quebrar a sua cara como quando você quebrou a guitarra na parede num ataque inútil de ciúme, e depois teve que pegar as merrecas que ganhava nos shows em botecos pra comprar outra. Quis arrancar da tua pele (com minhas próprias mãos) todas aquelas tatuagens que você fez durante as várias vezes que ficou bêbado, em noites frias e curtas, depois de ter tocado a noite inteira e bebido a noite inteira naqueles lugares fuleiros que você gostava. Quis te tirar dessa vida medíocre que você levava, de acordar de ressaca e numa baita deprê, esperando o efeito da bebida e das porcarias que você ingeria pelo nariz passar. Acordava vomitando e exalando um fedor de álcool, sempre reclamando de tudo e xingando qualquer um que passasse na tua frente como se tivesse culpa dessa tua sina de noitadas, pouco dinheiro, dores de cabeça e sujeira. Enjoei das tuas brigas sempre pelos mesmos motivos de ficar vendo coisas onde não existiam, viajando na maionese, sempre fora da casinha, chapado, podre e com um hálito horrível. Cansei deste teu humor de ralo de banheiro, dessa tua agressividade ridícula de quebrar tudo e depois ter que baixar a guarda e correr atrás do prejuízo. Cansei das tuas idas e vindas como um menino mimado que hora me queria e depois me largava num canto me trocando por uma vadia qualquer de saia curta que se oferecesse pra ti durante um show, me tratando feito brinquedinho manipulado, usado e largado como você bem entendesse. Então pega esses teus trapos, tuas calças jeans surradas, teus all stars brancos que já estão pretos da sujeira dos lugares podres que você pisa, esse teu óculos de grau sempre embaçados da fumaça das coisas podres que você fuma, teus CD's do Pink Floyd, teus livros de um mestrado que tu nunca termina, tua fardinha podre que usa para trabalhar quando te dá na telha; pega esse teu sofá velho que certamente usou para dormir com várias putinhas oferecidas e de decote bem aberto, como as tuas coleguinhas na faculdade e a tua namoradinha sem sal. Aliás, fica com essa guria mais branca que um pão cru, que não gosta de sexo, que fica pegando no teu pé, que se acha a gostosa e não passa de uma burra porque não valoriza o homem que tem do lado dela. Fica com essa inútil que nem tua companheira é na hora de fechar um baseado antes de se deitar contigo e aproveitar a vibe. Fica com isso que tu acha que é tudo, com teu mundinho fechado, com tua vida ferrada. Seu babaca. E não me olha com essa cara de quem gosta de mim e não quer que eu vá embora. Que eu não vou.

Um policial

Ele é aquele tipo de cara que te inspira confiança. Dentro da farda. Pago para proteger a sociedade. Pai de família, bom marido, bom funcionário. Postura profissional impecável. Estuda demais para subir de cargo... e consegue. Tem chegado às maiores posições dentro da corporação. Passa as madrugadas atendendo as piores barbáries que o ser humano é capaz de fazer. Prende bandidos, investiga, dá tiro se precisar. Ele é POLICIAL. Vive tenso, nervoso, preocupado com o futuro do guri que ele mesmo colocou no mundo. E que mundo é esse? Um mundo que ele tenta melhorar para seu filho viver bem. Mas todo este esforço lhe causa um profundo stress. Esquece a esposa, procura a namorada. Esquece a namorada e me procura. Me busca onde quer que eu esteja, pisa fundo no acelerador nas madrugadas de folga: faz da rua sua pista de corrida. Quebra regras. Fere a lei (esta lei imposta aos homens casados, como se estes estivessem mortos). Quem foi que disse que o amor é fiel? O sentimento pode até ser. Mas o instinto animal não. Me carrega para motéis baratos e eu não penso em mais nada. Nessa hora não há certo ou errado: a voz da pele e o sangue correndo quente nas veias GRITAM. Imploram por ele. E ele implora por mim. Sou sua válvula de escape, um corpo sedento que ele usa para se satisfazer. Sou dele. E nesta hora ele é meu. 

O amor morreu

Entrou na igreja e sentou-se no último banco. Atrás de um véu negro escondia o rosto, já percorrido por muitas lágrimas. Atraiu os olhares curiosos dos convidados que aos poucos iam chegando. Ela estava em luto. Assistiu calada o amor da sua vida entrar naquele corredor, lindo, sorridente, mas que perdeu o sorriso ao vê-la sentada ali. Ele sabia a dor que estava lhe causando. Assistiu, novamente calada, a noiva entrar à igreja toda de branco: um branco que contrastava com sua impureza. Ouviu cada palavra da cerimônia. Ao escutar da boca do seu amado o "sim", foi como se seu coração tivesse rasgado ao meio. A vida que ela planejou com ele estava sendo desfeita naquele instante. E para que tanto amor? Para que tantas promessas? Onde foi parar todo o sentimento que ele dizia ter por ela? E os sonhos que sonharam? Tantas foram as perguntas que ficaram sem respostas. Tantos foram os questionamentos que quando ela percebeu a igreja estava sendo fechada: o ato estava consumado. Saiu dali com passos trôpegos em direção a um futuro desconhecido. Um corpo de mulher que caminhava, embora ela estivesse morta. Sentou-se ao chão e acendeu umas velas. O amor morreu.

Desejos


Que o amor seja o motivo das minhas palavras. Que o desamor tenha ficado no passado, morto e enterrado. Que os dias sejam de alegrias e que eu tenha motivos para suspirar. Que a paixão seja duradoura, que inunde, que complete, transborde. Que os meus passos sejam firmes e sempre em frente. Que meu caminho seja reto e que as pedras que aparecerem eu as possa transpor. Que daqui as coisas só melhorem. Que as lembranças, boas e más, sejam o meu alicerce, guiando as decisões futuras. Que as lágrimas sejam de alegrias, que a morte de mim desvie, que os amigos sejam verdadeiros. Que as alegrias sejam infindas, que as ânsias sejam leves e que o tempo passe devagar. Que as viagens sejam longas. E que quem eu encontrar de hoje em diante só me faça bem. Que assim seja!

quarta-feira, 4 de julho de 2012

O violonista


Seus dedos correm soltos no violão, feito o corpo da mulher desejada: faz carinhos nas cordas como na pele, aperta como num abraço, agarra com a delicadeza necessária. E o violão geme, cantarola as notas com perfeição, como o suspiro de quem recebe o toque do ser amado. De sua boca sai uma voz grave, dado o grande homem que és, mas que, feita em canção e combinada ao som do violão, embala minhas tardes frias na solidão desse apartamento. Entra em meus ouvidos suave feito poema, doce como um alfajor... Te ouvir é como te ter. A música é a personalização do homem que a canta.

Um gaúcho

Encostado em uma árvore, segurando a cuia com dedicação, bombachas largas como um bom gaúcho e uma boina enfiada no rosto, escondendo o tesouro que são seus olhos azuis - foi assim que o conheci numa noite triste do mês de agosto. Dizem as más línguas que agosto é o mês do desgosto e ele surgiu pra quebrar com esta sina. Entrou na minha vida de leve, um homem à moda antiga, contido por sua timidez - que eu atropelei numa ânsia imatura de amar. A madrugada foi pequena e, embora o frio fosse de "renguear cusco", pouco percebi, já que o calor daquele abraço me envolvia e preenchia. 
Ele não torce pelo mesmo time que eu e nem dá bola pra futebol, mas não admite que falem mal do time dele. É calmo feito água de poço, é justo e vira uma fera com quem age de má fé. Um homem aparentemente rude, mas dono de um coração imenso. Sabe tudo de zoologia, botânica e licenciamentos. Quer alegrá-lo? Deixe-o ficar dentro de uma floresta. Caminhar no meio mato, olhando cada flor, cada árvore, cada inseto. A natureza parece que percebe e reconhece quem a ama e a preserva - o recebe com todo seu encanto. Acolhe este homem que a ama e a cuida incansavelmente. Este homem é orgulhoso de ser chamado de gaúcho, é dono de um nacionalismo que poucos gaúchos da idade dele tem. E eu, boba que sou, um dia, à ele, entreguei o meu coração e ele o colocou no bolso. 

Agora só peço pra esse moço, que me devolvas. 

terça-feira, 3 de julho de 2012

Tudo aquilo que nunca foi dito



Sim, Ela amou. Foi o sentimento mais lindo, puro e verdadeiro que ela já sentiu. Sonhava acordada, planejou uma vida ao lado daquele homem. Ele a correspondia, enchia ela de mimos, carinho, proteção.
Era tudo perfeito. Um casal que exalava sentimento, era como se já se conhecessem há anos, uma intimidade profunda, paixão imensurável. Uns diziam que eram almas gêmeas, outros falavam que eles nasceram um para o outro. Ela realmente amou. Verdadeiramente amou. Sentia as famosas borboletas no estômago antes de encontrá-lo, o beijo dele era o melhor que ela já tinha experimentado, ela chorou muito em cada despedida - ainda que a ausência fosse por poucos dias. Tudo que eles viveram foi muito intenso, verdadeiro, profundo, marcante. As canções mais românticas ouviram juntos em noites frias, em momentos à dois em que o silêncio e a canção falavam por si. Ele mostrou pra ela o quanto sua beleza era excêntrica e autêntica, em cada olhar de admiração. Ela mostrou a paz pra ele: nos momentos difíceis, segurou sua mão, ofereceu seu colo, seus afetos. Juntos descobriram que entre quatro paredes duas pessoas se completam muito mais. Ele é parte dela e ela parte dele. Ele a libertou da prisão, de todas as regras inúteis que ela seguia, segurou-a pela mão e a fez voar... bater asas em direção à um futuro grandioso... Um futuro que seria perfeito se o destino não os tivesse separado. E foi assim que aconteceu. Todo sentimento foi se perdendo nas esquinas da vida, nas quebradas das ruas, na distância. E de todo aquele amor, restou carinho e amizade. E numa sexta-feira fria do mês de julho ele se casou com outra. E ela seguiu colhendo os frutos que ele lhe ajudou a plantar: uma vida profissional excelente. E um coração despedaçado. Ela não acredita mais no amor, entende que o que viveu nunca mais se repetirá e prefere tocar a vida sozinha. Infeliz no amor, se contentando com o trabalho. Ele nem lembra do nome dela. Esqueceu todas as datas. Aposta tudo na nova chance que o amor lhe deu. Mas todo mundo sabe que aqueles olhares (dele e dela) escondem um vazio. Um vazio que tem a forma um do outro. Um vazio que permanecerá vazio. Até que o amanhã resolva mudar tudo. Outra vez.