sexta-feira, 28 de junho de 2013

Telepata

Se for para agredir, que seja à ela mesma. Tem tanto bom senso que não desconta a raiva que sente do mundo naqueles que estão a sua volta e ri, sozinha, caminhando na rua com ou sem rumo, embebida pela música que toca no fone de ouvido. Ela não é santa, mas não tem ficha criminal. Não é boba, mas sorri para estranhos na rua e se dá numa relação como a criança que se atira aos braços de quem conhece. Não acredita em horóscopo chinês, mas consulta o taro quando está em dúvida. Vai embora, mas não deixa de acreditar que os momentos bons ainda vão se repetir. Um ser comum com suas peculiaridades femininas, infantis, suas utopias e uma imaginação capaz de a levar telepaticamente à qualquer lugar do universo.

Só mais uma bala

E no fim de tudo, não pode-se dizer que essa história teve um final feliz porque no fim de tudo, você vai se casar. Já dizia o ditado: "Por trás de um casal feliz, sempre tem uma terceira pessoa chorando". Não estou literalmente chorando, mas com certeza tem alguma coisa errada comigo. Penso que, quando um cara está comigo, é porque ele quer estar comigo e não porque o pressiono para isso. Vivemos sempre sob pressão: pressão para ser aprovado na escola, pressão para passar no vestibular, para se formar, conseguir um bom emprego e manter-se nele, pressão para ter grana e poder pagar as contas... e aí tem gente que quer pressionar numa relação... convenhamos, isso é o fim. Nossa história é velha, digna de um romance novelístico, cheio de idas e vindas e discussões e maldições. E de repente as coisas mudam e o que eu pensei que era o fim, tornou-se um novo começo.

Conexões desconexas

Enquanto o mundo segue louco, cheio de gente cega com olhos perfeitos, gente surda que ouve tudo e não ouve o coração, eu sigo sendo levada pela maré. Eu protesto contra o amor, aquele que me disseram que sem o qual não éramos felizes. Sim, a solidão não me faz mais feliz, mas pelo menos não me faz sofrer. No amor é oito ou oitenta, duas faces opostas, um jogo de loteria em que, ou tudo se ganha, ou tudo se perde, sem meio termo. Meus dias vazios e solitários as vezes cansam, causam carência, mas não existem lágrimas no meu mundo. Choro não mais pelas feridas que o amor me causou, agora cicatrizadas. Choro pelas dores do mundo, pelas atrocidades que o ser humano é capaz de fazer tanto contra seus semelhantes, como com espécies diferentes. Choro pela escassez de bom senso, educação, cuidado com o outro, carinho; pela falta de altruísmo, paciência, mãos estendidas para ajudar. Num mundo onde abunda falcatrua, por vezes me cansa ser honesta, mas o sangue que corre em minhas veias e as tradições não me deixam desistir. De alguma forma, toda honestidade e carinho que eu dispenso aos outros seres humanos que comigo convivem, retornam para minha vida. 

sábado, 15 de junho de 2013

Um amor louco



Lembro dos teus olhos de menino, quase escondidos entre os cabelos compridos, o corpo magro e franzino, desengonçado em quase dois metros de altura. O que um esbarrão, por desatenção, descuido, não faz? Foi só um empurrão sem querer, um pedido de desculpas e nunca mais você saiu da minha vida. O beijo de parar o trânsito e perder o fôlego, em meio à multidão alegre pela conquista da vaga no vestibular. Lembro do nosso banho de chuva, como na música: "do calor da minha pele, da língua tua" e das palavras fáceis que me encheram de dúvidas, criaram esperanças, acenderam uma luzinha no fim do túnel em meio aquele fundo de poço em que eu me encontrava. Depois as palavras foram desmentidas, jamais explicadas, os convites cancelados, a discussão no balcão do bar, a embriaguez e o perdão. A gente só queria aproveitar a vida, a explosão de hormônios, a química dos nossos corpos e a atração incontrolável, que quase fomos descobertos nos porões da universidade, escondidos na calada da noite para poder se curtir um pouco à sós. Mil encontros que não deram certo, sempre acontecia alguma coisa e daí a gente desistia, largava de mão um do outro até se esbarrar numa noite de rock e bebida para começar tudo outra vez. Era se enxergar para se agarrar, no elevador, na festinha no apê, no canto escuro da boate. O tempo passou e as coisas foram mudando, responsabilidades aumentando, a faculdade terminou, vieram os relacionamentos sérios, tanto para mim quanto para ele, a traição em pensamento e por mensagem online porque, mesmo à distância, a gente não se resistia. O destino me levou para perto outra vez, mas daí a gente tinha trabalho, mais estudos, amigos, aluguel e mais mil coisas pra cuidar que pouco sobrava tempo pra nos falarmos, tu passou por cima de tudo pra me ver e foi demais, porque cada encontro era como se fosse o primeiro, tamanha era a saudade e o quanto a gente se curtia. Já não tens mais os olhos de menino de antes. Agora teus olhos são maduros e focados em teus objetivos. Nem eu sou a mesma doidinha e brava de outrora. Essa novela já dura anos. Não teve começo, meio ou fim, nada dentro dos conformes, nada oficial, segredos sussurrados, brigas, reconciliações, "tempos", como qualquer relacionamento normal, mas que de normal não tem nada, nem sequer é um relacionamento. O que somos? Não sei. O que nisso vai dar? Sei menos ainda. Só sei que é bom ter você por perto e é isso que importa.

Triângulo Amoroso



Aquela relação estava estranhamente durando. Anos desde as primeiras loucuras na faculdade, os primeiros beijos e as discussões teóricas entre um amasso e outro. Amigos e amores passaram, a faculdade acabou, trocaram de cidade e mesmo assim não se perderam, não desistiram um do outro, da amizade legal que construíram e do quanto seus corpos se atraíam como imãs. Eram solteiros que ficavam, tiveram outros relacionamentos, mas nunca sumiram completamente um da vida do outro. Sim, aconteceram várias discussões, ele quis desistir, deram tempo ao tempo, tiveram motivos para nunca mais se falarem mas estranhamente não optaram por este caminho. 1, 2, 3, 4, 5, 6 anos... e quantos mais ainda virão? Ele é um cara mimado, muito estudioso e inteligente que agora usa uma farda das forças armadas, para o delírio dela. Ela uma desiludida para o amor, que sonha com a aprovação em um concurso público e amores tão voláteis quanto sua paciência. Quando juntos, Pink Floyd no rádio, um cigarrinho e beijos lentos na boca. Eles sabem que se tornassem esse rolo algo sério, não daria certo. Ele fica bravo com facilidade e ela perde a paciência por causa disso, sem contar que ela ia viver se cuidando, pisando em ovos para não deixar o mocinho estressado. Então eles seguem assim, sem datas nem horários marcados, um longo "relacionamento" às escuras, um caso nunca descoberto, ela mais uma vez sendo coadjuvante na história de um cara que, publicamente, tem outra pessoa. Quem vai se machucar no fim?

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Uma mulher qualquer

Engoliu o último gole do café sem açúcar que toma sempre antes de sair, apagou o cigarro no cinzeiro e retocou o batom vermelho, ajeitou rapidamente o cabelo na frente do espelho e saiu. Saiu pronta para encarar o mundo que não filtra nada antes de nos acertar; pronta para viver mais uma noite de alegrias para quem olha seu sorriso fácil, mas são poucos os que sabem que ela, na verdade, se esconde atrás de um copo de vodka e drogas ilícitas, sempre que pode. Usa pulseiras para esconder as marcas que ficaram nos pulsos, daquela época em que via o mundo sempre caindo em cima de sua cabeça. Tem vinte e poucos anos, mas a contar pelas dores e alegrias que já viveu (e aprendeu) o número dobra.

Preto e Branco

O espaço era dele. Eu queria entrar ali simplesmente para vê-lo, talvez esquecendo de que ele não está mais disponível para mim. Aqueles beijos não mais me pertencem, as conversas bobas não mais acontecerão, sei disso. Mas eu só queria vê-lo, tentar entender seus pensamentos, ouvir as músicas que ele gosta e esquecer dela. Fui obrigada a entender que o perdi, quando ao querer vê-lo, vi os dois. O espaço que era dele, agora é de ambos. Para muitos isso seria banal, só que para mim as coisas tem um peso diferente. É o preço que se paga por ser sentimental demais. Eu nem toquei no assunto, não quis ter certeza de que ela se tornara sua rainha, a mulher da vida dele. Só quis saber se eu tinha um espacinho, se um canto do coração dele ainda era meu, se eu estava em seus pensamentos uma vez por dia, ao menos. Mas a resposta foi indireta. Certamente ele não quer concretizar o fim de nós dois porque é inseguro. E se o romance acabar? Ele não vai querer ficar sozinho, então é melhor me manter ali, me encher de esperanças de que a gente vai se ver quando ela viajar, pra matar a saudade que é só minha e para que ele se sinta menos mal, por me deixar assim, tão de repente. Quem olha pode pensar mil coisas, de que eu queria namorar com ele (mas por incrível que pareça, eu não quero), de que eu sou uma sem-vergonha por manter um caso com um rapaz compromissado (só que eu entrei na vida dele antes, nosso caso é mais antigo). O estranho nisso tudo é que eu não me importo se ele está com ela ou não, só quero que ele esteja feliz e que, de vez em quando, arrume um tempo pra mim. Era assim no começo, encontros marcados na última hora, surpresas no telefone, noites bem vividas. Eu nunca mandei alguém embora da minha vida e não será agora que irei fazer isso, diferente do que todos me aconselham a fazer. As vezes me parece que só o que falta, no meio dessa bagunça toda, é ele dizer para eu sumir, se é isso que ele quer que eu entenda com essa ausência toda. Ele não sabe o bem que fazia para esta menina-mulher-moça, com o mínimo de sua presença, com um papinho no celular, uma conversa online que fosse. Não que a minha vida esteja péssima porque ele nem aparece, era só mais colorido quando eu via o sorriso dele.

sábado, 8 de junho de 2013

Vida mecânica




O despertador toca todos os dias as 6 horas da manhã. Ela faz força para manter os olhos abertos, empurra ele e sai da cama, cambaleando, procurando os óculos que coloca no rosto antes de acender a luz. Ainda é noite. Lava o rosto e o cheiro de café inunda o apartamento. Sai agasalhada, almoço na bolsa, vai de pé no ônibus para ser a primeira a descer. Encontra a amiga no trem, sorriem e quase esquecem de descer. Trabalha incansavelmente e só vê a rua quando já é noite de novo. Faz o mesmo caminho para voltar, toma um banho quando chega e depois um chimarrão rápido antes de jantar. Não aguenta 2 horas depois do banho e cai no sono. E no outro dia o ritual se repete. É mecânico, não é natural não ver a cor do dia, as vitrines, ler um livro ao menos. Ela parece um robô que todo dia faz tudo igual, pouco vê os amigos e a família, nunca tem dinheiro para sair e fazer o que mais gostava. Na verdade, ela não gosta de mais nada. Perdeu o interesse nas baladas, nas bebidas, barzinhos, shoppings, homens e seus beijos e sexos. Ela não quer fazer nada, só dormir, sempre. Conversa com os outros por obrigação e pouco fala de si mesma, mais ouve e observa. Ela não é mais interessante, não usa batom, não pinta os olhos e nem cuida dos cabelos. Não se olha no espelho. Engordou mais. Desistiu dos tratamentos médicos que vinha fazendo. Quase 30 anos na cara e a vida nesse caos. Ela queria que fosse diferente, mas não tem mais forças. Não tem medo de morrer, mas também não faz diferença; ela não sabe o que quer, mas tem certeza do que NÃO quer. Não quer ser roubada, não quer ficar "aleijada", não quer que morra quem ela ama, não quer ter filhos, não quer namorar nem se apaixonar, não quer... viver, talvez. Porque viver não tem sentido e ela não gosta de não entender as coisas, quer ter tudo sob controle e nunca esteve com as coisas tão descontroladas antes. Ela chora no banho para ninguém ver. Desliga o telefone para não falar com quem quer que seja. Ela odeia acordar, não vê mais saídas. Morreu por dentro e ninguém viu.