sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Pra ser sincero

Naquela noite, o apartamento parecia mais vazio do que nos dias normais e da janela do terceiro andar ela olhava o bairro pacato e tranquilo ir adormecendo aos poucos, com o olhar tão distante quanto à lua lá no céu. Ela tinha largado o vício, mas dadas as circunstâncias, correu de volta pra ele quando viu que ia chorar. O ano acabara de começar, mas parecia que eram dias frios e sombrios como os dias de agosto, tamanho era o seu desgosto. Quem olhava para ela, sempre com aquele sorriso estampado, passeando no shopping, comendo pipoca no cinema com os amigos, não diria que ela estava triste, mas ela estava. Ela é daquele tipo de pessoa que chamam de extremistas, 8 ou 80, ódio ou amor e ao mesmo tempo é flexível e compreensiva, sempre entende as motivações alheias, sempre olha o contexto e não a situação isolada. Ela sabe que quem está no mundo das drogas lícitas ou ilícitas busca preencher da forma mais errada algum tipo de vazio existencial. Ela tem facilidade para lidar com situações de calamidade, mas quando se trata de problemas pessoais, como falta de amor próprio ou desilusão, ela raramente encontra a solução. O tempo da cura tornou a tristeza normal, mas ela não se cansa de acreditar nas pessoas, sempre dá uma chance para quem aparece e, ingênua, cai na lábia de quem percebe o quão inocente ela é. Não vê maldade, não vê mentira e descomplica as coisas por ser uma pessoa tão prática. Mesmo depois de tantos tombos que ela tratou de esquecer, ela ainda não conseguiu perceber que o amor não existe. Apaixona-se mais fácil do que agradar uma criança com um doce. Entrega seu coração mais que machucado quando alguém a trata de modo diferente da maioria. Considera um encontro minimamente romântico uma raridade, não esquece cada detalhe e o simples desenho de um coração coloca um sorriso no rosto dela. Na verdade, ela só se sente viva se está apaixonada, se acredita que o sentimento é recíproco, se aposta tudo numa relação, se tem a permissão para ter os sonhos mais românticos imagináveis. Joga suas expectativas nas nuvens sem se importar com o tombo e não espera que o outro seja tão intenso quanto ela é, porque sabe que seus sentimentos sempre atingem os extremos em pouco tempo. Ela sabe esperar, compreende o momento do outro, não pressiona, não faz marcação cerrada, deixa ele livre para vir ao seu encontro, quando sentir vontade. E embora ela tenha aprendido tanto sobre o que não se deve fazer com um relacionamento, embora a considerem uma mulher incrível e interessante, ela trata o próprio coração como um brinquedo. Entrega-se de corpo e alma, mesmo que a contrapartida seja mínima. Quando tudo acaba, ela desaba, mais uma vez. Não consegue compreender porque a recíproca não foi verdadeira, não entende o porquê das pessoas fugirem tanto de relacionamentos, não entende quando ela dá tudo e o melhor de si mesma e ainda assim ninguém a compreende e nem se permitem serem amados por ela. Quando o castelo que ela vinha construindo desmorona, é inevitável conter as lágrimas de decepção, embora ela já conheça este gosto amargo, que aprendeu ainda criança. Ela jura não amar nunca mais, jura não se pegar, não se envolver, foge bravamente de qualquer aproximação emocional e se entrega às noites vazias, aos hábitos ilegais, aos comprimidos para dormir porque ela não quer enfrentar os dias que ficam tão longos e sem graça. E então, tudo que ela quer é vingança e sai por aí destruindo corações alheios das formas mais cruéis. Entrega-se a qualquer abraço porque seu corpo tem a necessidade física, o desejo a consumindo. Dorme em qualquer cama e no outro dia vai embora sem deixar rastros. Ela protege seu coração a sete chaves e não acredita em palavras bonitas. Do amor ao ódio, em poucos segundos. Até alguém que aja de forma diferente apareça e o ciclo começa novamente. Ela acredita, mesmo sabendo que vai chorar no final. E dessa vez não foi diferente. Ela achou que poderia cantar a canção “3x4”, mas o que sobrou foi “pra ser sincero”, daquela banda que ela não vai ouvir nunca mais.  

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