E se a vida de repente acabasse?
Como num relógio que acaba a pilha e os ponteiros param de andar? Ou como num
carro que acaba o combustível e ele simplesmente para, não importa o quanto
você esteja apressado? Se a minha vida acabasse agora, ficariam os boletos e as
encomendas que ainda não chegaram enchendo minha caixa de correio. Ficaria o
sonho de fazer outra faculdade esquecido. Os filhos que eu tanto quero ter, o
sonho de entrar na igreja toda de branco, o sonho de ter uma vida que eu
costumo chamar de “medíocre”- tudo parado no tempo. Quem sabe até “o cara”,
aquele que eu estou esperando a vida inteira para viver ao meu lado, nem
chegasse a me conhecer. E daí ele teria que bolar outro plano, achar outra
parecida comigo para não ficar sozinho. Minha mesa no trabalho ficaria vazia,
mas meu lugar logo seria preenchido porque tem muitas profissionais esperando
para pegar o meu lugar. As roupas e calçados novos ficariam me esperando para viverem
muitas coisas juntos, guardados em caixas e cabides, entristecidos por não
terem completado o fim a que vieram neste mundo. Perfumes, cremes, shampoos
pela metade, ainda com meu cheiro, com minhas marcas. Cremes que envelhecem em
seus frascos por eu nunca ter tempo ou ânimo de usá-los, a menos que eu vá
encontrar alguém importante que vá cheirar minha pele. Todas as minhas coisas
passariam a ter novos donos, provavelmente pessoas queridas que estivessem
tristes com minha ausência, mas minimamente confortadas por poderem ficar com algo
que era meu. Objetos que um dia ou todos os dias vão olhar e lembrar-se de mim.
Sei que muitos sentirão demais a minha falta, mas os dias inexoravelmente
passarão, a dor vai dando lugar a saudade e esta saudade vai passando, pois a
vida de cada um teria que continuar. E assim somos: simples animais que do nada
vieram e para o nada voltarão. Somos obras de um acaso, que uniu um óvulo e um
espermatozoide e por estarmos vivos temos que tornar os dias aqui os melhores
possíveis. Em um triste momento esta máquina vai parar e entramos novamente na
cadeia alimentar, não como predadores, desta vez somos como presas, servindo de
alimento para outros. A morte é só um coração que para de bater, mas acaba com
muitos corações que ficam. E a vida é mais frágil do que um cristal.
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