domingo, 12 de julho de 2015

Meu conto de fadas roubado

E então o príncipe solitário, tão inteligente, tão doce, puro e inocente, com ares de menino, daqueles que a gente não consegue imaginar nem sequer beijando alguém, eis que este príncipe se descobre homem e supreende a todos quando conquista o coração de uma jovem princesa, tão meiga, doce, delicada, pura, pequena, de aparência frágil, tão à altura dele, num encaixe perfeito, formando um par que transpira divindade. E na tarde fria de um sábado do mês de junho, eles se casam num evento com sabor de contos de fadas, tão lindo e digno de perfeição. E eu? E por que não eu? Por mais que meu coração esteja aparentemente bem resolvido, nunca senti tanta dor ao olhar para meu rosto no espelho, olhar para um passado sombrio e perceber claramente os motivos por que não eu. Minha índole se assemelha à de uma prostituta perto daqueles dois. Eu estava no mesmo caminho que eles, caminho de retidão e santidade e por impaciência desisti, fui buscar o amor por mim mesma e só encontrei lama ou algo parecido com chorume. Manchei vulgarmente a minha reputação e lógico, quando cruzei com ele, ainda que eu tentasse chegar a seus pés, jamais estaria à altura dele e novamente desisti. Esse casal é o retrato vivo de um futuro que me foi prometido no passado, um futuro que eu sonhei pra mim no passado e que troquei por meia dúzia de migalhas de amor, na ânsia de ser amada. O que tenho hoje talvez seja além do que eu mereça, mas o que vivo é infinitamente inferior ao que eles tem e construiram juntos. Ele é só dela, nunca foi de mais ninguém; ela é só dele, nunca foi de mais ninguém, nunca antes tocada, imaculada. Eu fui de muitos, meu par foi de muitas e a sobra desses passados é a nuvem negra dos meus dias.

Um comentário:

  1. Tem uma semana que navego neste conto. Está na 1ª pessoa do singular - uma armadilha danada para a auto-estima dos leitores. Há de se ter muita habilidade para que o fio condutor não se perca e aí está - um conto fantástico.
    Há nele os conflitos Desejo X Livre Arbítrio; Livre-Arbítrio X Culpa e Culpa X Angústia.
    Este conflito entre a Vontade (desejo) e o Instinto repressor (Culpa), ao qual Freud denominou Angústia causa este mal estar - esta dicotomia dolorida, aqui neste texto, exposta em carne viva. E, claro, já que falei em Freud, afirmou uma verdade que machuca - "O propósito de que o homem seja feliz não está contido no plano da Criação".
    Parabéns pelo texto!

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