quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Saudades



SAUDADES
(Clarice Lispector)

Eu sinto saudades dele. Uma falta cheia de reminiscências que remetem a lugares, sons e imagens; uma saudade reprimida no fundo dos meus olhos cor-de-mel, impossível de ser saciada. Mesmo que, hoje, ele aparecesse na minha frente em carne e osso e me olhasse; mesmo que eu recebesse um telefonema, uma carta dizendo onde ele está; nada supriria essa falta do passado, essas memórias quase imemoráveis. Carrego, junto às minhas vertigens com hora marcada, a sombra dos sorrisos, os olhos nos olhos, o rosto brilhando em mil tons e ofuscando tudo de mais feio e ruim, apenas para enfatizar a beleza e a ternura que jazem imprimidas em todas essas fotos nunca reveladas que arranham os meus pensamentos durante as noites claras e silenciosas. Não é dor. A dor se ratifica, se esvai. O que sinto é diferente das cicatrizes de amores mal sucedidos e paixões dilaceradas pelos mais insípidos pormenores; é algo que não se explica com clichês elaborados e poesias belas e doloridas. É mais do que isso. Algo que ainda não inventaram o nome, e quiçá o diagnóstico. Entretanto, mostra-se da cor da angústia: azul, plácida e terna.

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